Por Carlos Arouck
A poucos meses das eleições no Brasil, um dos maiores desafios para os analistas da área política é perceber como as notícias falsas atingem o eleitorado que se deixa influenciar pela internet. Será que os cidadãos estão preparados para lidar com fake news, bots e perfis falsos? Também são muitas as pesquisas falsas sobre os candidatos. A divulgação dessas pesquisas tem sido usada como uma preparação psicológica para as possíveis fraudes nas urnas eletrônicas. Todas as mentiras propagadas possuem características que fazem com que pareçam verdadeiras à primeira vista, mas uma averiguação simples é capaz de mostrar rapidamente uma série de dados e informações falsas. A ideia é enganar, obter ganhos políticos, iludir as pessoas, minar a democracia, acabar com o debate livre. No caso brasileiro, essa estratégia pode ser mais maléfica ainda, uma vez que o Brasil é um dos poucos países do mundo que possui um complexo sistema de votação eleitoral por meio da urna eletrônica. O eleitorado pode passar por um processo de desinformação antes, durante e depois do pleito.
No nosso país, utilizamos um sistema de votação apenas com registro eletrônico dos votos. Os mecanismos de segurança não oferecem resistência a um ataque cibernético minimamente sofisticado. Os defensores do voto eletrônico “puro” têm razão: recontar voto impresso é coisa de países atrasados, como Alemanha, França, Reino Unido, Itália, Espanha… Em uma nação onde muito pouco funciona bem, causa até estranheza tamanha modernidade. Os postos de saúde não conseguem atender seus pacientes, a população vive sem segurança, os impostos são altos e não retornam para o bem estar dos cidadãos, mas as urnas brasileiras, essas funcionam maravilhosamente! Se são seguras, esse quesito é apenas um detalhe… Não para o professor da Unicamp Diego Aranha, por exemplo. Ele realizou testes nas urnas, mostrou as vulnerabilidades e sugeriu soluções, como adicionar o voto impresso. Segundo ele, a urna eletrônica usada no Brasil não é totalmente confiável, está sujeita a fraudes internas e externas e não permite auditoria.
Confiar no sistema eleitoral significa poder acreditar que o voto do eleitor foi contado corretamente. Essa confiança é a base do processo democrático de escolha dos representantes. Quando há dúvidas e incertezas sobre a segurança dos resultados apurados, o processo passa a ser questionável. Um efeito como o de “Winner or Loser” diz que os vencedores das eleições tendem a confiar mais no sistema do que os perdedores. Nesse caso, ganhar ou perder faz variar a percepção de confiança, podendo colocar em xeque todo o processo eleitoral. No Brasil, mesmo antes do pleito ocorrer, os eleitores já se queixam e mostram insatisfação e desconfiança com relação ao modo adotado para apuração dos votos.
O sigilo do voto, a compatibilidade entre os resultados da eleição e a intenção do eleitorado dependem diretamente da qualidade do software de votação em uso e de sua resistência contra manipulação por agentes internos e externos. O aprimoramento do sistema passa não apenas pelo incremento de segurança do software de votação e de seus processos de auditoria, mas também da implantação de mecanismos que permitam ao eleitor verificar se o sistema registra sua intenção corretamente. Com um eventual empate técnico no segundo turno, a urna eletrônica poderá sofrer fraude a favor de um candidato que de outro modo, não venceria. Nas eleições de 2014, entre os candidatos à Presidência Dilma e Aécio, foram muitas as denúncias de violação de resultados. A fraude pode ocorrer exatamente quando os dois candidatos estão muito próximos um do outro, por ser mais discreta a manipulação da contagem. É praticamente impossível implementar a fraude quando os dois candidatos estão muito distantes, pois ficaria muito evidente. Alguns grupos à esquerda e outros grupos além da direita já mostraram interesse em deslegitimar esse pleito, seja condenando-o de antemão por acusações de ilegalidade, seja por meio de boicote, como os petistas e intervencionistas indicam estar dispostos a fazer.
A implantação do voto impresso das urnas eletrônicos foi aprovada pela Congresso, que concordou com a necessidade de um comprovante impresso do voto nas eleições de 2018. Mais uma vez, o Supremo “passou por cima” do Legislativo Federal. Na prática, os ministros decidiram suspender o artigo da minirreforma eleitoral de 2015 (artigo 2ª da lei 13.165/2015), que estabeleceu: “No processo de votação eletrônica, a urna imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado”. A Corte Máxima resolveu manter os níveis insatisfatórios de transparência e a incerteza sobre a contagem correta de votos, apesar de os sistemas eletrônicos atuais já terem se mostraram falhos e propensos a ataques de hackers, como a urna eletrônica da Virgínia nos Estados Unidos e o processo eleitoral da Estônia.
Há quem alegue que as vulnerabilidades da urna eletrônica fazem parte do processo eleitoral, sempre permeado de desafios e perigos, normais em todo processo democrático de escolha de representantes do povo. Há quem culpe o eleitor por não saber votar e insistir em trazer ao poder políticos ficha-suja. Aos poucos, os brasileiros vão aprendendo a exercer melhor o direito de escolha de seus representantes. A falta de sabedoria política tem solução. Assim como tem solução a eventual falha do software das urnas. Mas a opção de mantê-las vulneráveis de forma proposital pode ser considerada um atentado ao estado democrático de direito.
*Policial federal, Carlos Arouck é formado em Direito e Administração de Empresas, instrutor de cursos na área de proteção, defesa e vigilância, consultor de cenários políticos e de segurança pública, membro ativo de grupos ligados aos movimentos de rua.