Liberdade de Expressão no Brasil: entre direitos e responsabilidades na democracia
Por Simone Salles
O Brasil recebe, nesta semana, a visita oficial da Relatoria Especial para a Liberdade de Expressão (RELE) da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), a convite do governo federal. O objetivo da missão é avaliar a situação da liberdade de expressão no país, em meio a um contexto de debates acalorados sobre regulação de redes sociais, investigações judiciais e o papel das instituições democráticas na garantia desse direito fundamental.
A chegada da delegação ocorre em um cenário de forte polarização. De um lado, setores da oposição alegam que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem tomado decisões que restringem indevidamente a liberdade de expressão, especialmente em casos envolvendo parlamentares, jornalistas e usuários de redes sociais. Entre os episódios citados estão a prisão do ex-deputado federal Daniel Silveira, a derrubada de uma reportagem da revista Crusoé e os bloqueios de perfis de investigados nos inquéritos sobre atos antidemocráticos.
Por outro lado, autoridades do STF defendem que suas ações são necessárias para conter discursos de ódio, ameaças à ordem democrática e a disseminação de desinformação em larga escala. O ministro Alexandre de Moraes, em reunião com os representantes da RELE, destacou que as medidas tomadas pelo Judiciário estão embasadas na Constituição e visam garantir o Estado Democrático de Direito.
A discussão também está inserida em um debate mais amplo sobre a regulação das redes sociais. O STF analisa a responsabilidade das plataformas digitais na moderação de conteúdo e a possibilidade de remoção de postagens consideradas prejudiciais sem necessidade de decisão judicial. A visita ocorre em um momento decisivo para esse julgamento, que poderá impactar a forma como o Brasil equilibra o direito à liberdade de expressão com a necessidade de prevenção a abusos na esfera digital.
Entidades da sociedade civil e organizações de imprensa também se manifestaram sobre a questão. Em uma carta enviada à Relatoria, ressaltaram a necessidade de criar padrões judiciais mais claros para a proteção da liberdade de expressão, garantindo que a responsabilização por discursos prejudiciais não seja instrumentalizada para censurar críticas lícitas ao poder público.
No centro desse debate está o desafio de conciliar diferentes perspectivas e experiências em relação à liberdade de expressão. O relator Pedro Vaca Villarreal enfrenta uma tarefa complexa ao tentar compreender e ponderar as preocupações de todos os setores envolvidos. Enquanto a oposição argumenta que há excessos na fiscalização do discurso público, governistas e membros do STF enfatizam a necessidade de mecanismos para coibir discursos que possam representar ameaças à democracia.
Outro ponto sensível da discussão é a segurança nacional em um contexto de avanço tecnológico. Especialistas alertam para os riscos do acesso irrestrito a dados de comunicações privadas e suas possíveis repercussões para a liberdade de expressão e privacidade. Nesse sentido, a RELE tem reforçado a necessidade de revisão das leis de inteligência e segurança para garantir que estejam em conformidade com padrões internacionais de direitos humanos.
A visita da Relatoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) ao Brasil reforça a importância do diálogo entre diferentes setores da sociedade sobre os limites e responsabilidades no exercício da liberdade de expressão. Em especial neste momento oportuno, quando o STF retoma o julgamento sobre dois processos que discutem a constitucionalidade do Artigo 19 do Marco Civil da Internet, e vota pela adoção de regras mais duras na regulação das redes sociais. A Corte analisa duas ações que tratam da responsabilidade civil das plataformas da internet por conteúdos de terceiros e da possibilidade de remoção de conteúdos ofensivos ou que incitem ódio a partir de notificação extrajudicial, ou seja, sem determinação judicial.
O desafio central é encontrar um equilíbrio que proteja a democracia sem comprometer direitos fundamentais, garantindo que as regras sejam claras, justas e eficazes na promoção de um debate público plural e responsável.