Durante 2020, a comunidade científica conseguiu realizar o que parecia impossível: desenvolver em tempo recorde vacinas que geralmente levariam anos ou mesmo décadas para serem criadas.
“Nem o mais otimista de nós imaginava que em tão pouco tempo teríamos tantas vacinas contra a Covid-19”, diz o infectologista Renato Kfouri, diretor da Sociedade Brasileira de Imunizações (Sbim).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em fevereiro deste ano pelo menos sete imunizantes contra o coronavírus já tinham sido lançados no mundo.
Centenas de candidatos estavam em desenvolvimento – mais de 60 já em fase clínica, ou seja, com testes em humanos. Atualmente, há 13 imunizantes aprovados e 83 em fase de testes clínicos. E esses números tendem a continuar subindo, de acordo com os especialistas.
Como se espera de qualquer vacina, o objetivo inicial era conseguir contra a covid-19 um imunizante capaz de reduzir a gravidade da infecção e a mortalidade causada por ela.
As novas vacinas contra a Covid-19 se mostraram capazes disso.
“O imunizante bloqueia em boa parte a entrada do vírus nas células, e com isso reduz o risco da tempestade inflamatória, causando uma forma mais branda da doença”, diz Rafael Dhália, doutor em biologia molecular e pesquisador da Fiocruz Pernambuco.
É por essa razão que vêm caindo as taxas de internações e mortes nos grupos prioritários que já receberam as diferentes vacinas pelo mundo afora.
Outros efeitos positivos inesperados dessas vacinas estão começando a aparecer à medida que avançam os números de imunizados pelo mundo.
O mais significativo é o potencial de controle da transmissão do coronavírus. Estudos começam a mostrar as primeiras evidências de que a vacina Oxford/AstraZeneca, por exemplo, é capaz de frear essa transmissão.
Como foram produzidos em uma situação atípica, o desenvolvimento dos imunizantes contra Covid-19 levou em conta diretrizes específicas da Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante da urgência, o órgão estabeleceu, por exemplo, que seria aceitável um tempo de proteção de seis meses contra a doença, quando preferencialmente seria de um ano. “Não daria para estender o período de observação para exigir um prazo maior”, explica a microbiologista Natalia Pasternak, presidente do Instituto Questão de Ciência.
Da mesma forma, estabeleceu-se como satisfatória a taxa de eficácia de 50% contra a doença e seus agravamentos (vale destacar que nenhuma vacina para diferentes doenças é 100% eficaz, e em geral taxas acima de 60 e 70% são consideradas boas).
Esse era um recorte do mínimo necessário para que houvesse um impacto real em hospitalizações e mortes”, diz Pasternak.
A microbiologista explica que, por questões de custos, seria inviável realizar um teste clínico de fase 3, que reúne milhares de participantes, para avaliar também a capacidade de prevenir a transmissão de uma doença cujos sintomas podem não aparecer, caso dos pacientes assintomáticos de Covid-19.
“Por esse motivo, a maneira mais fácil e mais rápida foi desenhar os testes clínicos para medir se a vacina previne a doença, e não para saber se ela poderia impedir a transmissão do vírus”, conclui.