Tarifaço de Trump expõe fratura na direita e isola bolsonarismo radical
A ameaça de sobretaxar em 50% as importações brasileiras, feita por Donald Trump, escancarou as fissuras internas no campo da direita brasileira, especialmente entre os aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). O gesto do republicano, que citou Bolsonaro em carta justificando a medida como reação a uma “caça às bruxas” promovida pelo Judiciário brasileiro, inicialmente inflamou os mais fiéis ao ex-presidente. Mas a reação econômica negativa e a rejeição pública acenderam o alerta político: o bolsonarismo ideológico parece cada vez mais desconectado das responsabilidades administrativas e econômicas dos governadores do campo conservador.
Eduardo Bolsonaro celebra tarifaço e depois recua
Enquanto setores empresariais e lideranças regionais se mobilizavam para conter os danos, o deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em tour pelos Estados Unidos, defendeu a retaliação como uma estratégia de pressão sobre o Supremo Tribunal Federal (STF), onde seu pai é réu por tentativa de golpe. Eduardo chegou a insinuar ter articulado, ao lado de aliados, a reação de Trump como forma de intimidação à Corte.
Contudo, após críticas de diversos setores e crescente desconforto na direita, o filho de Bolsonaro recuou parcialmente. Em entrevista recente, tentou dissociar-se do tarifaço generalizado e alegou ter defendido apenas “sanções individuais” a ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes.
Governadores preferem diplomacia e pragmatismo
Ao contrário de Eduardo, governadores alinhados à direita priorizaram o pragmatismo econômico. Com exportações ameaçadas, especialmente nos setores agrícola e industrial, lideranças como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Eduardo Leite (RS) e Ronaldo Caiado (GO) adotaram discursos críticos à medida de Trump e buscaram articulações diplomáticas para reverter as sanções.
Tarcísio, por exemplo, promoveu reuniões com empresários e buscou interlocução com a embaixada dos EUA. Sua iniciativa foi atacada por Eduardo Bolsonaro, que a classificou como “desrespeitosa” e acusou o governador de agir como “submisso às elites”. O ex-embaixador Rubens Barbosa também ponderou que Tarcísio não teria jurisdição para negociações externas, mas reconheceu o esforço diplomático como uma tentativa de proteger os interesses de São Paulo.
“Estou olhando para São Paulo, para a nossa indústria, o agronegócio e os trabalhadores”, disse Tarcísio à CNN Brasil, defendendo sua postura. Em resposta, Eduardo redobrou os ataques, acusando o governador de ignorar a suposta ameaça autoritária representada pelo STF.
Zema e Leite tentam manter racionalidade no debate
Romeu Zema, de Minas Gerais, inicialmente atribuiu o problema à política externa do governo Lula, mas depois apontou a atuação de Eduardo Bolsonaro como catalisadora da crise. Em entrevista ao Estadão, afirmou que a retaliação americana era resultado da “postura equivocada” do deputado licenciado, que teria prejudicado a imagem da direita brasileira.
No Rio Grande do Sul, Eduardo Leite adotou uma postura mais institucional e classificou as sanções como “interferência externa”. Distante da radicalização bolsonarista, articulou junto às secretarias estaduais uma resposta coordenada com canais diplomáticos para tentar reverter os efeitos da medida.
Caiado assume protagonismo e oferece medidas concretas
Pré-candidato à presidência em 2026, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, saiu na frente e foi o primeiro a anunciar medidas concretas para proteger o setor produtivo de seu estado. Em reunião no Palácio das Esmeraldas, Caiado lançou três linhas de crédito emergencial para empresas afetadas, demonstrando agilidade administrativa e preocupação com a economia goiana.
“Minha prioridade é proteger os empresários e trabalhadores de Goiás. Vamos buscar todos os mecanismos possíveis para enfrentar essa crise”, afirmou.
Divisão estratégica antecipa disputa pela liderança da direita
A crise provocada pelo tarifaço não apenas acentuou a desarticulação entre os aliados de Bolsonaro, mas também antecipou um embate interno pela liderança do campo conservador. Inelegível até 2030, Bolsonaro observa à distância os movimentos de seus antigos aliados — muitos deles já em campanha velada para sucedê-lo em 2026.
Enquanto Eduardo Bolsonaro se isola na retórica antissistema e investe em ações simbólicas contra o STF, os governadores agem sob pressão econômica e institucional, buscando preservar empregos, exportações e a imagem do Brasil perante investidores e parceiros comerciais.
A falta de unidade na resposta à crise com os EUA expôs a dificuldade da direita brasileira em encontrar um discurso coeso no pós-Bolsonaro. Em contraste, Lula colheu dividendos políticos ao adotar uma postura nacionalista frente à retaliação americana, o que lhe rendeu apoio inclusive de setores do agronegócio que historicamente se opuseram ao PT.
A polarização continua, mas o campo bolsonarista já não fala mais em uníssono.