Por Carlos Arouck
Nos debates recentes sobre o futuro das nações, a Assembleia Geral da ONU se tornou o palco para uma disputa entre duas vertentes ideológicas opostas: a defesa da soberania popular e a supremacia do Estado. Os discursos de Lula, Javier Milei e Nayib Bukele representaram essas diferentes visões, revelando o papel fundamental do Estado na garantia dos direitos e liberdades individuais, ou na sua limitação.
Javier Milei, presidente da Argentina e representante da ascendente onda conservadora na América Latina, expressou forte oposição ao papel das organizações internacionais como a ONU. Ele atacou diretamente o que considera uma usurpação de direitos pelas elites globais, que estariam distorcendo os princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos. “A adoção desta agenda está totalmente alinhada com os interesses de privilegiados e ultrapassa os princípios estabelecidos na Declaração dos Direitos Humanos”, afirmou, ressaltando seu descontentamento com o Pacto do Futuro e conclamando as nações livres a se unirem em defesa da liberdade. Sua postura anti-estatal reflete um apelo à soberania popular, contra o que vê como a imposição de uma agenda centralizadora.
Em contraste, o presidente salvadorenho Nayib Bukele destacou as realizações internas de seu governo em El Salvador, focando na segurança pública e nos direitos básicos. Bukele, trouxe um discurso igualmente crítico às críticas internacionais, mas sob outra perspectiva. Diferente de Milei, Bukele defende o papel central do Estado no combate à criminalidade, mas enfatiza que o governo não compromete as liberdades civis. “Em El Salvador não censuramos opiniões, não confiscamos bens de quem pensa diferente, não prendemos as pessoas por expressarem as suas ideias”, disse ele, referindo-se ao seu controverso programa de segurança que levou à prisão de milhares de suspeitos de atividades criminosas. Bukele se apresenta como um defensor da liberdade individual, mas com uma abordagem de “mão firme” para garantir a segurança da população.
Por outro lado o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, manifestou sua preocupação com a atual incapacidade de ação coletiva diante das crises globais. Lula, em seu discurso, defendeu o fortalecimento de instituições globais e a necessidade de governança global para enfrentar os desafios contemporâneos, como a crise climática e as pandemias. Sua fala destacou a importância de acordos multilaterais, como o Pacto para o Futuro, mas também expôs a fragilidade desses compromissos diante das dificuldades de diálogo global. “Seu alcance limitado também é a expressão do paradoxo do nosso tempo: andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes”, afirmou o presidente brasileiro, criticando a falta de ação conjunta, até mesmo após crises globais como a pandemia de covid-19. “Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional”, afirmou. Lula apelou à cooperação global proativa, prevenindo futuras catástrofes, lembrando que “não podemos esperar por outra tragédia mundial, como a Segunda Grande Guerra, para só então construir sobre os seus escombros uma nova governança global”.
Esses discursos mostram a tensão entre visões de mundo sobre o papel do Estado. De um lado, a soberania popular de Milei e sua luta contra as elites globais, aliada à retórica de Bukele, que defende a liberdade dentro de um Estado forte. De outro, Lula promove uma abordagem baseada em uma governança global, onde o Estado e as instituições internacionais são essenciais para enfrentar os desafios globais. Em um mundo cada vez mais polarizado, a defesa dos direitos se torna um ato revolucionário reservado para aqueles que ainda lutam pela liberdade contra o Estado opressor — seja ele um Estado global, como nas palavras de Milei, ou um Estado centralizador, como nas críticas a Lula.