Por Leticia Ramos
Assistente de coordenação de incidência política na ONG Criola e especialista em políticas internacionais e justiça climática
Em meio a discussões técnicas sobre finanças climáticas, perdas e danos, tecnologias e adaptação, um ponto precisa ganhar muito mais força: a certeza de que não existe justiça climática possível sem enfrentar de forma explícita o racismo ambiental e as desigualdades de gênero.
De acordo com a ONU Mulheres, a mudança climática tende a empurrar 158 milhões de mulheres e meninas para a pobreza até 2050, e 236 milhões sofrerão maior insegurança alimentar — com recorte de gênero e raça acentuado. Já relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU (IPCC) indicam que moradores de zonas periféricas, onde a grande maioria da população é composta por pessoas negras, enfrentam 15 vezes mais tragédias ambientais, como enchentes e deslizamentos, do que os que vivem em áreas seguras.
Os dados apontam para uma conclusão óbvia: não é de hoje que as mulheres negras estão na linha de frente da crise climática. São elas, em sua maioria, que lidam com enchentes, contaminação de água, insegurança alimentar e violências agravadas pela falta de políticas públicas eficazes. E, mesmo assim, continuam sendo invisibilizadas nos grandes acordos internacionais.
Em Bonn, conferência preparatória para a COP30, organizações negras brasileiras marcaram presença para mostrar que é hora de mudar essa lógica. Criola, CEERT, Decodifica, Observatório da Branquitude, Geledés, Rede Vozes Negras pelo Clima, PerifaConnection, Perifa Sustentável e Alma Preta, entre outras, reforçaram a importância de reconhecer a população afrodescendente como um povo historicamente marginalizado — o que deve se refletir em planos de ação de adaptação, capacitação, transição justa e no Plano de Ação de Gênero.
A atuação da Criola exemplifica o poder desse protagonismo. A organização vem fortalecendo lideranças locais com a construção de uma agenda coletiva que reúne soluções reais vindas dos territórios, além da realização de encontros e formações. Esses pleitos serão levados por Criola e outras organizações a COP30.
Outro ponto crítico levantado por essas organizações é a urgência de desagregar os dados por raça e gênero. Essa luta é crucial para evidenciar o racismo ambiental e as injustiças sofridas por mulheres negras em razão da distribuição desigual dos impactos negativos das mudanças climáticas. Isso permitirá uma melhor compreensão dos contextos demográficos e maior assertividade no desenvolvimento de políticas públicas para mulheres negras e dimensionar o impacto real da crise climática sobre esse grupo.
A negociação do Plano de Ação de Gênero nesta conferência mostrou avanços importantes, mas também deixou claro que há um longo caminho a percorrer até que as vozes de mulheres negras não sejam apenas ouvidas, mas respeitadas como fundamentais para moldar uma transição verdadeiramente justa.
Não faltam ideias, nem experiências concretas. Falta decisão política. Belém, como anfitriã da COP30, tem a oportunidade histórica de afirmar que não haverá justiça climática sem justiça racial e de gênero. Não é possível discutir o que é racismo ambiental ou definir conceitos e potenciais soluções para a justiça climática sem o protagonismo das mulheres negras, que contribuem menos para os problemas climáticos, mas enfrentam diariamente suas consequências.
O mundo precisa compreender que as mulheres negras são fonte de resiliência, guardiãs de saberes e agentes de transformação. Se queremos um futuro possível, que ele seja construído com elas, por elas e para todas as pessoas.
Sobre CRIOLA
CRIOLA é uma organização da sociedade civil fundada em 1992 e conduzida por mulheres negras. Atua na defesa e promoção de direitos das mulheres negras em uma perspectiva integrada e transversal, tendo por missão trabalhar para a erradicação do racismo patriarcal cisheteronormativo, contribuindo com a instrumentalização de meninas e mulheres negras, cis e trans, para a garantia dos direitos, da democracia, da justiça e pelo Bem Viver.