Prescrição farmacêutica gera novo impasse entre médicos e farmacêuticos 

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CFF contesta decisão judicial e reforça legalidade da prescrição por farmacêuticos com qualificação clínica

Por Simone Salles

A recente publicação da Resolução nº 5/2025 pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) reacendeu o debate sobre os limites de atuação dos profissionais da saúde no Brasil. A norma, divulgada no Diário Oficial da União em 17 de março, autoriza farmacêuticos com Registro de Qualificação de Especialista (RQE) em Farmácia Clínica a prescreverem medicamentos — inclusive aqueles de uso sob prescrição médica —, realizar exames físicos e interpretar exames laboratoriais. A resolução passaria a valer 30 dias após a publicação, mas foi suspensa por liminar da Justiça Federal, em resposta a uma ação movida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM).

No site do CFF, é possível conferir todos os pontos de seu posicionamento. Por respeito à autoridade técnica do farmacêutico e à saúde da população brasileira, o conselho esclareceu que o farmacêutico realiza somente consultas farmacêuticas, com objetivos distintos dos demais tipos de consulta médica e não invade a atuação de nenhum outro profissional. 

Afirmou, ainda, que o papel do farmacêutico é garantir que o uso de medicamentos seja seguro, eficaz e apropriado, atuando em equipe com outros profissionais de saúde. na avaliação da entidade, a resolução não trazia nenhuma novidade: o profissional farmacêutico não pode prescrever todo tipo de medicamento, sendo sua atuação limitada. Lembra que a prescrição farmacêutica no Brasil vem sendo judicializada pelo CFM há 12 anos, mas que nenhuma decisão transitada em julgado revogou o direito dos farmacêuticos à prescrição.

Segundo o CFF, a resolução se fundamenta na Lei nº 13.021/2014, nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Farmácia e em experiências já consolidadas no Sistema Único de Saúde (SUS), como a atuação de farmacêuticos na prescrição de medicamentos para profilaxia da infecção por HIV (PrEP e PEP) e, mais recentemente, no enfrentamento da tuberculose.  Ou seja, o próprio poder público reconhece a prescrição farmacêutica dentro dos limites de sua competência. O conselho afirma que a prescrição não é exclusividade médica e que a atuação do farmacêutico clínico visa ampliar o acesso à assistência qualificada, especialmente em regiões com carência de profissionais. 

“A medida visa responder às necessidades reais da população brasileira, que sofre com altos índices de automedicação e falta de acesso regular a serviços de saúde. O farmacêutico, dentro de sua competência, é capaz de contribuir para um cuidado mais seguro e eficaz com o uso de medicamentos”, declarou o CFF em nota oficial.

A norma, no entanto, foi criticada por entidades médicas. O CFM sustenta que a resolução extrapola os limites legais da atuação farmacêutica e viola a Lei nº 12.842/2013, conhecida como a Lei do Ato Médico, que define como privativos dos médicos o diagnóstico de doenças e a prescrição de tratamentos. O CFM também afirma que a Resolução nº 5/2025 reedita, com poucas alterações, o conteúdo da Resolução CFF nº 586/2013 — declarada ilegal pela Justiça Federal em novembro de 2024. 

Em resposta à liminar da 17ª Vara Federal de Brasília, que suspendeu provisoriamente a norma, o CFF anunciou que já adotou as providências legais e recorrerá da decisão. A ideia é resolver a questão agora por meio da tramitação de um projeto de lei no Congresso Nacional para regulamentar, em âmbito federal, a atuação clínica do farmacêutico, com apoio dos conselhos regionais.

A disputa jurídica e institucional entre as duas entidades evidencia um embate mais amplo: a redefinição de papeis dentro das equipes multiprofissionais de saúde. Em um país que ocupa o topo dos rankings globais de automedicação e onde boa parte da população utiliza medicamentos sem orientação adequada, o tema mobiliza não apenas profissionais da área, mas também o poder público e a sociedade civil. 

Em diversas situações, incluindo dores, gripes, resfriados e até mesmo para problemas como ansiedade e insônia, o povo recorre por conta própria a analgésicos e relaxantes musculares, os mais utilizados em casos de automedicação. Esquecem que o uso incorreto de medicamentos é um problema de saúde pública, com sérias consequências para a qualidade de vida.

O Ministério da Saúde, através da Anvisa, busca conscientizar a população sobre os riscos e promover o uso racional de medicamentos. Dados do Ministério da Saúde revelam os principais problemas da prática: utilização errada entre aqueles que tomam cinco ou mais medicamentos de uso contínuo; abandono de tratamento; esquecimento de doses; adição de doses não prescritas, fora os que nem iniciam o tratamento prescrito, entre outras constatações.

Já há cerca de dez anos, um dos presidentes do CFF questionou à época: “ É mais adequado o paciente gerenciar por conta própria o seu tratamento ou contar com o apoio de um farmacêutico para avaliar a necessidade, a efetividade, a segurança e a adesão? Por que os farmacêuticos não podem auxiliar os pacientes, já diagnosticados e sob tratamento médico, a controlar as suas doenças, por meio do acompanhamento farmacoterapêutico? Prevenir erros de medicação quando o paciente transita por diferentes serviços de saúde é prejudicial à sociedade?

Enquanto isso, o consumo de medicamentos continua em franca ascensão. O último Anuário Estatístico do Mercado Farmacêutico registra que a venda de medicamentos no Brasil gerou um faturamento de mais de R$140,00 bilhões.

“Estamos apenas no início de uma jornada que visa ampliar e qualificar o acesso da população aos medicamentos e à orientação farmacêutica. O paciente só tem a ganhar com isso. A mobilização da categoria é essencial para garantir o reconhecimento legal e social da assistência farmacêutica”, conclui o CFF.

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