Prefeita do Conic move ação contra festas LGBTQIA+ e é acusada de censura e homotransfobia
Uma ação judicial movida pela prefeita do Setor de Diversões Sul (Conic), Flávia Helena Portela de Carvalho, tornou-se centro de uma grave controvérsia que envolve acusações de censura, homotransfobia e uso abusivo do aparato público para atacar manifestações culturais da população LGBTQIA+. A petição, protocolada em abril no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), visa proibir festas promovidas pelo público LGBTQIA+ que há mais de uma década ocupa o espaço urbano com eventos culturais reconhecidos por sua importância social.
A ação mira diretamente o evento Fest Conic Primavera, organizado com alvarás válidos para ocupação de área pública. Ainda assim, a prefeita iniciou um processo administrativo junto à Administração Regional do Plano Piloto, questionando a legalidade das autorizações. Em resposta, o próprio órgão distrital afirmou que não pode impedir eventos sem comprovação de danos à comunidade, sob pena de incorrer em abuso de poder e censura — além de violar direitos constitucionais de liberdade de expressão e pensamento.
O conteúdo da petição movida por Flávia Portela ultrapassa os limites da legalidade técnica e adentra um campo de discurso moralizante e excludente. As festas são descritas como “suntuosas e degradadas”, com “ruídos infernais e devastação moral”, “corpos praticamente nus” e “extravagâncias”. A prefeita também invoca passagens bíblicas ao comparar os eventos à destruição de Sodoma e Gomorra, dizendo que tais festas seriam um “exemplo da figura de Satanás”.

A linguagem empregada levanta sérias dúvidas sobre a real motivação da ação. Perguntas feitas pela reportagem à gestora do Conic seguem sem resposta: a quem serve esse discurso violento, recheado de estigmas religiosos e morais? Por que, após mais de dez anos de ocupação LGBTQIA+ pacífica e culturalmente relevante, apenas agora a Prefeitura decide mover uma ação repressiva?
Reações e representações
A retórica utilizada no processo causou indignação imediata entre lideranças sociais e parlamentares. A associação Estruturação – Grupo LGBT+ de Brasília e o deputado distrital Fábio Félix (PSOL) entraram com representações no Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios (MPDFT), acusando a Prefeitura de homotransfobia institucionalizada. O deputado classificou a linguagem da petição como “incompatível com o decoro profissional”.
A associação Estruturação pede ainda indenização por danos coletivos, a ser revertida em campanhas públicas de combate à LGBTfobia. Em nota, o grupo afirma que a ação “expõe uma tentativa explícita de associar a presença LGBT+ à imoralidade, à degradação e à criminalidade”, reforçando estigmas perigosos e violentos em um momento de retrocesso nos direitos humanos e civis no país.
Nota da Prefeitura: contradições e retórica
Em nota oficial, a Prefeitura do Setor de Diversões Sul tentou amenizar a repercussão negativa, dizendo que a ação visa apenas a regularização técnica e a segurança dos eventos. A gestão alega ainda ter histórico de apoio a iniciativas culturais diversas. No entanto, a própria petição assinada por Flávia Portela contradiz essa postura, ao usar argumentos claramente ofensivos ao público LGBTQIA+ e associar sua presença a “falta de caráter”, “devassidão moral” e “falta de ética”.
A suposta preocupação com alvarás e riscos estruturais parece servir como biombo para a promoção de uma agenda conservadora que deseja varrer da cena pública expressões que não se encaixam em um ideal moralista. Enquanto isso, a narrativa de segurança é instrumentalizada para justificar o silenciamento e a expulsão simbólica e física de uma comunidade historicamente marginalizada.
Censura institucional e risco democrático
Mais do que uma disputa jurídica, o caso expõe práticas de censura institucional. A tentativa de impedir festas LGBTQIA+ sob argumentos religiosos e morais não apenas afronta a Constituição Federal — que garante a liberdade de expressão, manifestação cultural e orientação sexual — como revela um preocupante descompromisso com a democracia e a pluralidade que devem reger o uso dos espaços públicos.
Ao tentar maquiar preconceito com retórica legalista, a gestão da prefeita Flávia Portela se vê agora no centro de um embate que coloca em xeque a laicidade do Estado, o respeito aos direitos civis e o compromisso com a inclusão em uma capital que abriga diversidade e resistência.
Ouça entrevista na CBN da prefeita Flávia Portela e Igor Albuquerque