Em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular, treinadora ainda comenta sobre posicionamento da camisa 10, substituta de Formiga e se ainda há espaço para Bárbara e Cristiane na Seleção
Um novo ciclo começa tanto para seleção brasileira quanto para Pia Sundhage. Depois de vencer a Argentina por 3 a 1, a equipe volta enfrentar as adversárias na segunda-feira, às 16h, no Estádio Almeidão, em João Pessoa – a TV Globo e o SporTV transmitem. E a missão da treinadora é achar um novo caminho para o Brasil com Copa América 2022, Copa do Mundo 2023 e Jogos Olímpicos 2024 no horizonte. Na atual convocação, Marta é o grande nome. Mas fica a questão: até onde contaremos com a rainha? Em entrevista exclusiva ao Esporte Espetacular, a treinadora respondeu se a camisa amarela ainda terá a seis vezes melhor do mundo nessas competições.
– Eu espero! Mas é tudo questão de ela ter paixão e realmente querer – afirmou Pia Sundhage.
– Espero que ela queira. Porque se ela quiser e se estiver disposta a continuar a amar o jogo com toda paixão, ela pode ter um grande papel. Ela não é mais tão veloz, gostaria de vê-la mais perto do gol, mas depende do que ela quer.
A técnica ainda respondeu sobre o posicionamento de Marta durante as Olimpíadas de Tóquio. Para a comandante, naquele momento, nas quartas de final, o melhor para a equipe não era contar com a camisa 10 próxima ao gol.
– A jogadora sabe qual função desempenha melhor. E na Olimpíada talvez jogar mais perto do gol fosse melhor pra ela, mas não para time. E eu devo trazer a melhor resposta do time, então se você olhar para as nossas atacantes, ainda acho que foi a melhor solução nas quartas de final. Agora teremos novas jogadoras, talvez a gente mude um pouco nosso estilo, e amanhã (futuro) pode ser diferente.
JOGADORAS MAIS IMPORTANTES NO ESQUEMA?
– Pergunta interessante, não sei. Teremos que ver contra a Argentina. Novas jogadoras podem mudar a dinâmica, mudar um pouco do estilo, e dependendo de quão boas forem as jogadoras mais jovens, elas podem aumentar o nível e aí não precisaríamos depender da Marta. Nas Olimpíadas de 2008 eu treinava a equipe adversária do Brasil e posso te dizer o quão importante ela era no time. Ela não tem mais aquele papel. Ela vai ser mais uma peça da nossa equipe. Quero ela mais perto da área. Não sei se vai funcionar, teremos que ver na prática, nos amistosos.
VC DISSE QUE JOVENS SERÃO MELHORES QUE A MARTA, COMO VÊ ISSO ACONTECER?
– Olhe para o Brasileiro. Há momentos muito bons de algumas jogadoras, talvez não os 90 minutos, mas aos poucos algumas estão mostrando que subiram de nível. O trabalho da minha equipe é encontrar essas jogadoras, principalmente do sub-20, que possam dar esse passo. Se pegarmos uma jogadora nova que acredite na nossa forma de jogar, eu acho que aí ela pode ser grande.
VOCÊ ESTÁ DE OLHO NAS JOVENS?
– Nós vemos vários jogos de brasileiras no Brasil e na Europa, por exemplo. E a Simone Jatobá do sub-17 e o Jonas Urias do sub-20 fazem suas convocações e eu peço para me avisarem sempre que tenham jogadoras em quem acreditem que estejam perto da seleção principal. Agora temos duas jogadoras do sub-20 com a gente e vai ser muito interessante vê-las ao lado das mais antigas. É scout, sempre, e colocar óculos novos. Neste momento, temos que ver com novos olhos e avaliar: essa jogadora é mesmo boa? pode jogar em qual posição?
E ISSO NÃO É MUITA PRESSÃO PARA ELAS?
– Tem uma ótima frase da jogadora americana Abby Wambach que diz que “é um prazer jogar sob pressão”. Claro que estas jogadoras mais novas vão estar nervosas, vão errar, porque nunca estiveram na seleção principal. Mas elas podem aprender com os erros, com as outras jogadoras, e se ajustar, Algumas vão se dar bem rápido, outras precisarão de mais tempo. Mas tenho 100% de certeza que veremos grandes jogadoras vindas do sub-20.
VOCÊ FICOU SOZINHA EM CAMPO DEPOIS DA DERROTA PARA O CANADÁ. O QUE PENSOU NAQUELA HORA?
– Meu primeiro pensamento e sentimento foi: eu decepcionei meu time. Um vazio. Foi muito difícil, me permiti me sentir assim por alguns segundos, antes de ir apoiar o time e pensar num próximo plano diferente. Não fomos às semifinais. Não conquistamos a medalha. Tínhamos certeza de que nosso time poderia conseguir. Nós perdemos para as medalhistas de ouro, as canadenses, nos pênaltis. E isso foi muito difícil. Mas tive um tempo para pensar e é meu trabalho fazer melhor da próxima vez.
O QUE FARIA DIFERENTE?
– Tentamos conseguir bons amistosos mas foi difícil. Queríamos jogar contra as 10 melhores seleções do ranking e foi difícil. Como treinadora, eu acho que eu poderia ter feito coisas diferentes nas quartas de final. Mudar o time, sacar algumas jogadoras e mudar a formação. Mas ainda foi 0x0 e talvez funcionasse ou talvez não, mas poderíamos ter marcado um gol em vez de deixarmos ir pros pênaltis. E dali do banco eu poderia ter feito um trabalho melhor sim. Não quero entrar em nomes especificamente, mas eu poderia ter tirado jogadoras mais cedo e trazer outras pra dar mais energia. Porque fomos tão bem contra a Holanda! Conseguimos penetrar nas linhas delas e não fizemos isso contra o Canadá. Eu poderia ter colocado em campo jogadoras que conseguissem fazer isso melhor.
COMO JOGAR MAIS RÁPIDO?
– Com a bola e sem a bola. E para fazer isso por 90 minutos precisamos melhorar a parte fisica. Queremos dar mais coragem às jogadoras de mudar de posição em campo e principalmente de correr mais. E ao mesmo tempo manter a posse da bola.
PERDER NOS PÊNALTIS FOI UMA FALHA PSICOLÓGICA?
– Chegamos tão perto…não sou psicóloga, e na verdade perdi uma final de Copa do Mundo contra o Japão e ganhei outra pela Suécia contra o Brasil. Nós tentamos fazer de tudo pra prepará-las. Claro que tem a ver com o lado psicológico. Na verdade chamar de problema psicológico tem um aspecto negativo, como se elas estivessem com uma doença, e não estão! O fato é melhorar a performance, queremos que elas saibam encarar estes momentos que realmente importam, quando você tem a maior pressão. Isso que eu quero enfatizar.
É POSSÍVEL FORMAR UMA NOVA FORMIGA?
– Só existe uma Formiga, é impossível! Temos algumas opções, uma que fiquei muito impressionada é a Angelina. Foi a última a ser convocada por lesão e ela é jovem e joga muito na seleção sub-20, é madura. Me impressionou seu comportamento, seu jogo. Ela foi pra Olimpíada sem nunca ter passado pela seleção principal e isso é impressionante. Ela está no começo da carreira, joga nos EUA, e é uma de muitas que podem ocupar a posição da Formiga.
CRISTIANE E BARBARA?
– Vamos ver. Gosto de olhar para o presente. Se elas jogarem bem sou a primeira a dizer: “vocês querem vir para a Seleção?”
ESTRUTURA
– Organização. É a principal chave para o futebol brasileiro e a CBF terem mais sucesso. Como técnica da Suécia e dos Estados Unidos eu sabia com antecedência de 1 ano, às vezes 2 anos, todo o planejamento. As datas FIFA. Eu não tenho isso treinando o Brasil, é tao difícil ter um plano. No mundo ideal eu queria jogar toda hora contra as 10 melhores seleções do mundo. Acho que essa é a maior diferença entre treinar a seleção americana e principalmente a sueca, que era muito organizada.
IMPORTÂNCIA DE UM CAMPEONATO NACIONAL FORTE
– É muito importante. Há 10 anos a Suécia tinha uma das melhores ligas do mundo. Agora as jogadoras vão para Inglaterra, Alemanha, França e até Espanha jogar. O jogo Palmeiras x Corinthians vai ser muito bom pra seleção brasileira. Porque temos tantas jogadoras, e competir é importante para ganhar qualquer coisa na seleção também. Você melhora a parte física, mental, você tem alegria, e isso é exatamente do que o futebol precisa.
Me lembro do meu primeiro jogo 2 anos atrás neste país. E é tão melhor hoje. É fantástico como mudou em 2 anos, graças ao apoio da CBF com a liga, mas isso não acaba aqui, tem que querer sempre mais, e preparar cada clube para as competições. Você joga bem quando tem bons treinadores. Você joga bem quando tem uma equipe por trás do time, a parte médica, e quando tem tanto homens quanto mulheres como técnicos. Precisa de campos, de muito treino. De boa estrutura.
QUE OUTROS ASPECTOS PODEM MELHORAR?
– Quando eu falo em Brasil, desde que era pequena, eu penso ah, o futebol, eu cresci com o Pelé, e depois com a Marta. É respirar futebol. E para canalizar toda a paixão e o amor pelo futebol, ter ainda organização, bons treinadores, bons clubes e uma boa liga, e em longo prazo podemos alcançar o topo: ganhar a Copa do Mundo, a Olimpíada, mas não só isso, conquistar o coração das pessoas, mudar a atitude delas. Eu cresci na Suécia onde diziam que meninas não jogavam bola, só os meninos. Você fala em futebol e pensa no futebol masculino. Isso tem mudado um pouco. Mas podemos mudar a atitude das pessoas, e respeitar que mulheres joguem, porque o futebol é pra todos. Queria que, quando eu deixar o Brasil e voltar só de férias, visse todos amando o futebol jogado por homens, mulheres, meninos e meninas.
PENSE QUE VC ESTÁ NUMA COLETIVA ÀS VÉSPERAS DA OLIMPÍADA DE 2024. O QUE VOCÊ ESTARÁ FALANDO DA SELEÇÃO?
– Ahhhh eu estarei dizendo: a defesa a gente já arrumou lá no começo, agora temos brasileiras que dançam com a bola, e vamos surpreender qualquer seleção que vier, porque somos muito boas no ataque! (risos).(Ge)