O USO DO CELULAR E O RETORNO ÀS AULAS

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“Ainda podemos verter lágrimas sobre as páginas de um livro; mas será impossível sobre disco rígido de computador!” (José Saramago, escritor português).

 

Por José Gadêlha Loureiro

 

 

Parte I

As coisas que vêm de fora, do estrangeiro, principalmente dos Estados Unidos, estão sempre carregadas de um fetiche, de um encantamento – veja o glamour que o uso do aparelho celular passou a ter em nossas vidas brasileiras. Ocorre que essas “inovações” trazem em seu DNA o vírus da suposta libertação e da verdadeira alienação.

O celular é cantado e decantado como a última novidade do mundo para os brasileiros, inclusive na educação — já que a lógica desse aparelho preenche um conjunto de necessidades internas que o brasileiro nunca teve e, de repente, ilusoriamente, passou a ter acesso. No entanto, a ausência de uma educação pública de qualidade – no “Brasil do faz de conta” – é sempre apresentada a conta-gotas, pela metade, em épocas de campanhas eleitorais. Assim, o brasileiro não dá a devida importância ao processo de ensino-aprendizagem, que constrói e desenvolve elementos de cognição.

Ao sancionar a Lei 15.100/2025, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou:

“Essa sanção que eu vou fazer significa o reconhecimento do trabalho de todas as pessoas sérias que cuidam da educação, de todas as pessoas que querem cuidar das crianças e dos adolescentes deste país. Isso aqui foi um ato de coragem, de cidadania e um ato de respeito ao futuro deste país. Portanto, é com muito orgulho que vou sancionar a Lei.”

É notório e sabido há muito tempo que o Brasil não adota as tecnologias; ao contrário, somos adotados por elas – e eu não me incluo nesse grupo. Se somos adotados por essas tecnologias, demonstramos, de antemão, nosso profundo desconhecimento da realidade social brasileira, bem como das mazelas cognitivas e sociais resultantes da ausência de uma educação pública de qualidade com escolas de período integral. Esse, sim, seria um verdadeiro ato de coragem. Digo e repito: escolas públicas de período integral! Esse era o projeto que o presidente deveria ter lançado em 2003, a partir de seu primeiro mandato, implantando-o paulatinamente por meio de um novo pacto federativo entre as três esferas do poder público. Agora, ficar bravateando, dizendo que sancionar uma lei é um ato de coragem… Paciência, senhor Lula da Silva!

É lugar-comum dizer que o Brasil chora sempre o leite derramado – e haja choro e leite derramado… Estamos sempre ignorando, de forma abissal, a máxima de Machado de Assis: “O presente que se ignora vale o futuro!” Ontem, que era presente, hoje é futuro! E cá estamos com uma geração de adolescentes e jovens malformados, sem domínio das linguagens, das ciências da natureza e da matemática. Sem falar no desprezo que a sociedade tem pelas ciências humanas e sociais aplicadas. E a filosofia? Deixa pra lá… pensar dói! As elites descobriram a solução: correr para as transitoriedades do mundo digital, com seus enfeites e seduções pedagógicas baratas. Chegamos ao paraíso da pedagogia online! Chegamos, mesmo? Como diz a sabedoria chinesa: “Nunca é tão fácil perder-se quanto quando se julga no caminho certo!”

Já nos anos 1930, o professor Lauro de Oliveira Lima, de saudosa memória, alertava que o Brasil não fez a revolução de Gutenberg e já pretendia ingressar na revolução das galáxias. O resultado da inobservância dessa advertência comprometeu toda uma geração – carente, por assim dizer, de capacidades cognitivas e socioemocionais, incapaz de estabelecer interações com seu meio e com a realidade socio-histórica ao seu redor. Uma geração deslocada para a concentração dispersa, sem capacidade de construir narrativas que deem significado ao mundo. Hoje, adolescentes e jovens não aprenderam a ler para construir relações de aprendizagem consigo mesmos.

O celular é um concorrente desleal do livro didático – ao ler, interrogo a mim e ao autor; estabeleço diálogos internos comigo e externos com o mundo social e seus inevitáveis conflitos, que se voltam para mim em forma de dúvidas – a mãe da aprendizagem. Nada disso é possível com o celular! Ele se apresenta com mundos prontos e limitadores das minhas criações. Como estudante atento, posso contradizer meu professor, negar e renegá-lo; ou seja, aprender. Jamais poderei construir uma relação dialética e pedagógica com um objeto digital!

As evidências mostram, e os estudiosos confirmam – entre eles destaco o professor Michel Desmurget, em A Fábrica de Cretinos Digitais e Faça-os Ler! (livros traduzidos no Brasil) –, que os dispositivos digitais e as telas têm efeitos perniciosos para a saúde cognitiva e mental de crianças e adolescentes. São anos de pesquisas e atuação no magistério e em órgãos de saúde da França que demonstram isso fartamente.

O celular é um concorrente desleal do professor. Não porque ele – o celular – tenha mais conhecimento ou recursos embutidos, mas pelo fato de não ser capaz de estabelecer interação pedagógica e relação socioemocional com os estudantes. E, mesmo que um dia o mundo seja completamente digital, ainda precisará do professor – ele sempre foi um mediador de relações conceituais e, hoje, mais do que nunca, de relações digitais, ao trabalhar com a chamada concentração dispersa. O celular não faz mediações pedagógicas; ao contrário, ele as trava, ao interromper nossas capacidades cognitivas e a possibilidade de reelaborarmos as interrogações inerentes ao nosso pensamento.

O celular constitui um instrumento de aprendizagem, apenas e tão somente isso – por mais informações que contenha. Há uma diferença abissal entre conhecimento e informação e, mais ainda, entre esses dois e a sabedoria. Lápis e caneta permitem ao estudante – a partir da leitura de um livro (e seu vasto universo de significados) e da relação dialética e pedagógica com o professor – expressar no papel as possibilidades de criação e elaboração do pensamento, sempre com vistas às incompletudes da vida.

 

 

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*José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal).

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