A educação, claramente, precisa se reinventar para que a nossa sociedade consiga enfrentar os obstáculos e seus desafios
A educação pública tem saída. Pelo menos no Distrito Federal, é possível comprovar isso com a aprovação de 27 alunos do Centro de Ensino Médio nº 09 de Ceilândia na Universidade de Brasília (UnB). Esses jovens deram motivos para a comunidade escolar comemorar durante a crise sanitária – ainda mais sendo a UnB uma das mais cobiçadas metas de todo estudante – fazendo do Centro de Ceilândia referência da rede pública de ensino do DF.
José Gadelha Loureiro, bastante conhecido como professor Gadelha, diretor do Centro de Ensino Médio 09 de Ceilândia, norteia algumas diretrizes para virar o jogo na educação, baseadas em muito aprendizado, e, claro, em experiência. Entre os fatores que podem melhorar o ensino público, ele destaca:

“Uma família preocupada, pais preocupados em acompanhar os filhos, professor apresentando uma aula de qualidade, direção dando rumo para essa moçada e alunos estudando. E, sempre, tendo em vista que a educação pública forma, informa e transforma.”
Na análise do professor Gadelha, o ensino público pode ser transformado e alcançar o estágio necessário para a sociedade ser melhor.
O esteio da sociedade
Ele citou um importante educador brasileiro. Como dizia Anísio Teixeira – educador que difundiu o movimento da Escola Nova, que se baseava no desenvolvimento do intelecto e da capacidade de julgamento, em detrimento da memorização – “o esteio de uma sociedade chama escola pública”.
Na visão do professor Gadelha a educação pública necessita, para evoluir, de alguns ingredientes, passos fundamentais. De partida, o período integral deve ocorrer extensivo até o nono ano.
“O menino tem que tomar café, sair às 17h30 já jantado. Para o ensino médio, um período na escola e outro no ensino técnico. Não precisa sair do terceiro ano e ir para a Enfermagem direto, por exemplo.”
Para ele, o estudante teria que, desde o primeiro ano, fazer curso técnico de enfermagem, atuar como técnico e “realmente saber se essa seria sua vocação. Assim teríamos uma gama de profissionais comprometidos, seja para enfermeiro, médico, engenheiro ou professor.”
Segundo o professor, o aluno que vai para Universidade de Brasília (UnB), seja qual for a disciplina, estudaria um período lá e no outro ele faria uma residência dentro das escolas públicas.
“O estado não precisaria gastar, pois já paga o professor regente e o universitário cumprindo suas horas de estágio. Essa é a saída para escola pública”, detalhou Gadelha.
E a família?

O professor Gadelha tem o entendimento de que a sociedade deve cobrar dos seus filhos, orientá-los, fazê-los estudar e “mostrar que não é vir para escola com celular, tecnologia e não é vir com brinquedinhos tecnológicos. Mas vir com respeito às regras, conhecimento da cidadania, buscando formar o cidadão consciente para que nós paremos de jogar toda a culpa no Estado e sejamos participantes dessa sociedade.”
Ele argumenta que o brasileiro reclama demais, mas que não participa. “Reclama porque a escola pública não funciona, porém não apresenta solução. A maior solução que ele deveria apresentar era fazer os filhos estudarem. Mostrar a importância do trabalho do professor.”
Segundo o professor, uma sociedade não pode desacreditar seus professores e sua educação.
O Centro de Ensino Médio é referência na escola pública local. Tudo OK Notícias questionou a que se deve essa performance. Gadelha respondeu que tanto ele quanto a vice-diretora, Maria José, e a equipe como um todo, têm uma visão de que o professor precisa ter um ambiente tranquilo para trabalhar, precisa ele próprio estudar. O professor, de uma forma geral, ainda estuda pouco.
Outra observação de Gadelha é que o docente presta, no sentido mais preciso e mais nobre da palavra, um serviço à sociedade.
“A escola pública tem que dar resultado como a saúde pública. Como? Com professor preparado e aula de qualidade. O modelo da escola pública está errado.
“Toda a escola pública, do primeiro ao nono ano, tem que ser em período integral. No ensino médio, um período aqui (na escola) e outro período no ensino técnico. Isso aí que é fazer itinerário formativo, isso que é formar o cidadão. Se com todos esses problemas, essas deficiências nós avançamos, avançaremos muito mais quando tivermos uma escola pública no modelo que deve ser feito.”
Ele citou o fundador da UnB, o professor Darcy Ribeiro que dizia, simplesmente: “O Brasil tem duas coisas que só dão aqui. Uma muito boa, jabuticaba. E outra ruim, escola de turno. Nenhum país tem escola de turno, todas estão com período integral.”
Para ele – ou utiliza o período integral com o ensino técnico – “ou vamos continuar com essa máquina aí de moer gente. E aquele que parou lá no fundamental? E aquele que desistiu no percurso e não tem nenhuma expectativa? Porque a escola pública acabou falhando. E é preciso reverter isso”, completou Gadelha.
Como se procedeu a educação durante o ensino remoto?

Na opinião do professor Gadelha, foi feito o melhor trabalho possível. O aluno que não tinha acesso à internet, houve busca por meio do telefone, orientação do professor, da direção e da coordenação. Foram entregues aos alunos atividades, com monitoramento. “O prejuízo foi enorme? Foi. Principalmente, às camadas menos favorecidas. Mais uma vez tiveram esse prejuízo. Com todas as dificuldades, nós buscamos superar.”
O professor Gadelha contou um episódio que ocorreu durante a pandemia do Covid-19. “Essa escola tem EJA. Conseguimos, durante a pandemia, formar mais 120 alunos. Hoje, temos 250 alunos matriculados na educação de jovens e adultos, resgatamos mais de 100 alunos. Eles estavam desistentes há mais de 10 anos, buscamos, fizemos esforço humano. Precisa de estrutura? Precisa. Fazemos por amor? Fazemos. Precisa de suporte. O Estado tem que fazer o seu papel.”
“Você não pensa que quando o cidadão chega aqui não é cobrado. O Estado oferece professor, a escola, o estudo – o cidadão tem que dar também a contrapartida. Tem que ter disciplina. Quem precisa de uma escola rica, boa, funcionando no sentido cognitivo, afetivo, social, esportivo é o garoto, a adolescente, o adolescente da cidade satélite”, assinala Gadelha.
Escola interna
Ele avalia que a sociedade é perversa e desigual, por isso a escola bonita tem que ser a escola pública. “Bonita internamente. A escola tem que ser assim. Tem que dizer a que veio. É isso que estamos tentando fazer, que é uma luta diuturna.”
Ao ser questionado qual seria a mensagem para os alunos que Gadelha destacaria para os professores, ele recorreu, novamente, a Darcy Ribeiro. Por mais que alguém ache que as causas se foram ou se perderam “temos que ser movidos como dizia Ernest Block, temos que ser movidos por princípio e esperança. Há sempre um raio num lume de esperança para aqueles que lutam. Não valem as derrotas. Vale o que se apurou e o que se conseguiu superar”.
História de superação

O professor Gadelha entende que a escola pública é uma história de superação, de busca. “Temos de ter a teimosia – mas na teimosia para fazer as pessoas acordarem – despertarem. No dia que o professor, educador, não tiver esperança, ele está morto. A educação é pautada na esperança crítica de fazer. Se eu estou me movendo, estou compreendendo a realidade.”
“Ao mover a realidade, eu vou buscar a solução. Eu não posso ficar no absenteísmo, na desesperança. A pior coisa que tem é um jovem sem esperança. E a pior coisa que tem, mais ainda, é uma pessoa como educador que deixa de plantar nesse jovem uma esperança. O Brizola até nos dizia, o Darcy Ribeiro também, temos que ser uma planta do deserto. Uma simples gota de orvalho nos enche de fé e de esperança, que é crítica. Esperança é crítica, princípio básico da vida”, concluiu o professor Gadelha.