O ENEM e as contradições da educação pública brasileira: desigualdades, falhas políticas e o impacto do neoliberalismo na formação da juventude
O Brasil, sempre que há eventos importantes — como as Olimpíadas e, anualmente, o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) —, é tomado por uma febre de ufanismo e preocupação. As elites predatórias tentam demonstrar seu compromisso com os serviços públicos, como educação e esportes, ao menos nas bravatas dos discursos. No entanto, a realidade, com sua inominável capacidade dialética, revela outra perspectiva, desmascarando as sempre maquiadas falas dos profissionais de marketing do Brasil oficial.
No Brasil, as ideias estão sempre fora de lugar. Lançam-se programas de políticas públicas repletos de ideais, mas sem o devido investimento humano, material, financeiro e tecnológico, comprometendo a continuidade dessas políticas na prática social. Como resultado, cria-se um hiato entre a política proposta e a realidade. Paralelamente, exigem-se resultados impossíveis de alcançar como forma de avaliação dessas políticas, o que, por si só, constitui uma contradição — como é o caso do ENEM.
O ENEM, enquanto mecanismo de avaliação do Ensino Médio, revela os antecedentes preparatórios dos estudantes. Considerando as desigualdades sociais e o modelo equivocado da escola pública no Brasil, fica evidente que a prova reflete muito mais o abismo educacional do que qualquer outro fator.
No que se refere às desigualdades sociais, é preciso observar o fosso entre as classes, que hoje não se dá apenas no campo econômico, mas também na perpetuação da glamourização da miséria. O neoliberalismo, ao invés de encarar as mazelas estruturais do capitalismo, entra em um estado constante de metamorfose — Raul Seixas chamaria de “metamorfose ambulante” —, criando falsas ilusões para as classes menos favorecidas, que se sentem contempladas por algumas migalhas do capital. Mas as desigualdades persistem.
Atualmente, muitas políticas públicas se transformaram em políticas meramente compensatórias, evitando encarar de frente as raízes do problema e aprofundando ainda mais o fosso das desigualdades. No entanto, há outra desigualdade menos discutida: a cognitiva, que se manifesta na aprendizagem, na formação técnica e na ausência de um projeto de vida profissional para milhões de jovens brasileiros, seduzidos pelas ilusões do mundo digital.
O que as elites predatórias impõem é um pacto velado e permanente para vetar qualquer possibilidade de sonho da juventude brasileira. O que está em jogo não é um verdadeiro projeto educacional, mas sim o “slogan” da vídeo-esfera, completamente desconectado das condições materiais e culturais do país. O objetivo não é superar os desafios educacionais, mas interromper qualquer projeto duradouro de nação. Por isso, os parâmetros do ENEM são gradativamente maquiados, conferindo-lhe a aparência de um modelo eficiente, quando, na realidade, apenas reforçam a lógica neoliberal de uma educação pública precarizada.
Em 2024, ao completar um quarto de século, o ENEM, apesar das boas intenções de seus idealizadores, tornou-se mais um instrumento de ranqueamento de escolas públicas e privadas do que um mecanismo real de avaliação da educação pública brasileira. O resultado disso é a indução da população menos esclarecida a acreditar que as elites investem em educação, enquanto, na prática, são os próprios estudantes que não dariam o “devido valor” ao ensino.
Ora, convenhamos! O Brasil, mesmo sendo a oitava maior economia do mundo, é um dos países que menos investe por estudante e, pior ainda, investe de forma equivocada. Ao insistir em escolas de turnos e não no Ensino Médio Integrado — de fato, e não como mero “slogan” —, a sociedade brasileira atrasa o desenvolvimento nacional e condena sua juventude ao ostracismo, tanto do ponto de vista cognitivo quanto tecnológico.
Felizmente, a realidade é mais dialética do que imaginam os discursos das elites brasileiras — sejam de direita ou de esquerda.
Não há investimento efetivo na educação pública básica. A realidade está visível e disponível a olhos nus, mas não basta enxergá-la. É preciso compreendê-la! Para isso, exige-se um esforço mínimo de reflexão. Ou os brasileiros passam a estudar, com senso crítico e coletivo, as questões que lhes dizem respeito, ou continuarão reféns dos velhos “achismos”, das mentiras agradáveis e das crenças convenientes. A cada resultado, a realidade escancara que “o rei está nu” — e não se pode lutar contra a dialética dos fatos. Ela será sempre mais contundente, especialmente quando as elites, de todos os espectros políticos, se recusam a investir verdadeiramente na educação pública, limitando-se a discursos bem maquiados.
Por fim, as elites brasileiras — sejam de direita, centro ou esquerda — continuam esperando boas colheitas de uma lavoura eternamente negligenciada: a educação pública.
José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-Diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal).