Por Miguel Lucena
Era um pinto, mas tinha alma de gente. Desde que saíra do ovo, nunca aceitara o destino de ciscar pelo terreiro sem ambição. Queria mais. Queria o mundo.
Mas o mundo também o queria.
Olho atrás, vejo um gato
Faminto, mostrando dente.
À minha frente, uma raposa,
Querendo o gato e o pinto.
O destino nunca fora fácil para quem se achava maior do que os próprios passos. Mas o pinto, valente, seguia. Fugir não era opção—ou melhor, era, mas uma opção exaustiva.
Na corrida, o peito estufa,
Bate a asa, falta ar.
Mas, atrás, só tem bicho
Querendo me devorar.
Em casa, a pinta ciumenta pia no celular. Quer atenção, quer compromisso. O pinto sua—ou suaria, se tivesse glândulas sudoríparas. O dilema se arma: escapar do gato, da raposa, da vida selvagem… ou encarar a pinta e seus dramas?
Assim, nem a rima aguenta.
O pinto suspira e segue. Afinal, ser gente nunca foi fácil.