Por Carlos Arouck
A condenação de um comediante polêmico, conhecido por abordar temas sensíveis que dividem opiniões, repercutiu nas redes sociais e no meio artístico. Embora o humor, por natureza, flerte com os limites do aceitável, muitos consideram que suas piadas extrapolam o bom senso e o respeito, especialmente quando envolvem minorias ou situações de vulnerabilidade. No entanto, também há quem defenda que sua prisão levanta um debate importante sobre liberdade de expressão e os limites do humor, questionando se o Estado deve intervir nesse tipo de conteúdo, mesmo que contenha exageros ou ofensas.
O Brasil sempre soube rir de si mesmo. De Chico Anysio a Os Trapalhões, de Casseta e Planeta Jô Soares às charges de Millôr Fernandes, o humor brasileiro teve coragem de cutucar as feridas da sociedade, da política à cultura, com uma irreverência que nos definia como nação. Era um humor que não pedia licença, que desconstruía a realidade e, ao fazê-lo, nos ajudava a enxergá-la com mais clareza. Como diz o ditado: “o brasileiro sofre, mas não perde a piada”. Até nas piores crises, sempre encontramos espaço para o riso.
Mas esse Brasil, que gargalhava sem medo, está em vias de extinção. E a culpa é de um fenômeno que, de tão absurdo, parece ele mesmo uma piada: a patrulha do riso.
Recentemente, um texto viral nas redes sociais ironizou essa nova realidade: “Problematizar uma piada em ambiente fechado é uma aula de sinalização de virtude tola e covarde.” A frase é um soco no estômago de uma sociedade que, sob o pretexto de proteger sensibilidades, constrói um universo onde o humor é julgado não pela graça, mas pela suposta intenção de ofender. Em vez de discordar ou simplesmente ignorar uma piada, muitos preferem o absurdo de condenar quem a faz, movidos por uma preferência seletiva pelo linchamento moral.
Essa tendência não é nova, mas se intensificou nos últimos anos. O Brasil de 2025, que deveria celebrar sua diversidade e resiliência, parece mais interessado em policiar o que pode ou não ser dito. A ironia é que os mesmos que defendem a liberdade de expressão em tese são os primeiros a pedir a cabeça de um comediante por uma piada mal interpretada. E não se engane: essa patrulha não é neutra. É seletiva. Mira quem já está na lista negra de algum grupo ideológico, enquanto perdoa os “aliados” que fazem piadas tão ou mais ácidas.
O texto citado faz um resgate importante. Lembra que humoristas como Chico Anysio, Renato Aragão e o Casseta e Planeta fizeram gerações rirem sem que cada esquete fosse dissecado em busca de ofensas. Não porque o Brasil fosse menos sensível, mas porque se entendia que o humor é, por natureza, uma válvula de escape — não um tratado de ética. Hoje, vivemos sob a tirania da literalidade, onde uma piada é julgada como se fosse uma proposta de lei.
Essa mudança aponta um caminho perigoso. A “sinalização de virtude”, como o texto aponta, virou moeda social. Condenar uma piada não é mais sobre discordar; é sobre exibir superioridade moral, sobre provar que se está do “lado certo” da história. E, nesse jogo, quem perde é a liberdade. Não só a de fazer piadas, mas a de pensar, questionar e existir sem o peso constante da autocensura.
O absurdo dessa nova ordem é tamanho que já não sabemos mais onde está o limite. Um comentário irônico em grupo privado pode virar caso de polícia. Um meme despretensioso pode custar um emprego. Enquanto isso, os verdadeiros problemas do país desigualdade, corrupção, violência seguem intocados. É mais fácil linchar um humorista do que enfrentar o sistema. É uma covardia travestida de justiça.
Quando o brasileiro, que sempre transformou sofrimento em piada, começa a temer o que pode dizer, perdemos algo essencial da nossa identidade. O Brasil precisa resgatar sua capacidade de rir. Não porque o humor resolva tudo, mas porque ele nos lembra que somos humanos, falhos, contraditórios. Rir de si mesmo é um ato de resistência contra a rigidez, contra a ideia de que alguém pode ditar o que é aceitável ou não. Como disse Voltaire: “Não concordo com o que você diz, mas defenderei até a morte seu direito de dizê-lo.” Talvez esteja na hora de aplicarmos isso também às piadas. Porque, como o brasileiro bem sabe, a vida pode ser dura, mas uma boa piada sempre ajuda a seguir em frente.