O absurdo da imputação de dolo eventual no caso

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Foto: Divulgação

 

Por Carlos Arouck

A Polícia Federal indiciou o ex-presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) Marcelo Xavier, delegado de polícia federal da ativa, por supostamente ter a participação com “dolo eventual” nos assassinatos do indigenista brasileiro Bruno Pereira e do jornalista inglês Dom Phillips, mortos em junho de 2022, em uma emboscada na região amazônica.

Esse indiciamento se dá nos termos do artigo 18 do Código Penal (exemplo – Crime doloso – Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo).

Marcelo Xavier foi exonerado do comando da Funai em dezembro de 2022. Ele assumiu o cargo em julho de 2019. O ex-vice-presidente da Funai, Alcir Amaral Teixeira – delegado de polícia federal aposentado, também foi indiciado.

A Polícia Federal alega que Xavier e Teixeira tomaram conhecimento, em reunião da Funai no dia 9 de outubro de 2019, do “risco de vida dos servidores do órgão e não adotaram as providências necessárias para a proteção dos funcionários”.

Bruno era funcionário da Funai e estava licenciado. Dom estava o acompanhando no momento do crime, após ter fotografado o barco dos acusados para comprovar a pesca ilegal no Vale do Javari, a pedido de Bruno. De acordo com a PF, por não tomarem providências, Marcelo Xavier e Alcir Teixeira “teriam assumido o risco do resultado de suas omissões, que culminou no duplo homicídio”.

 

Aqueles que operam na área sabem o quanto é difícil trabalhar ali, sabidamente uma área perigosa, com denúncias ou sem denúncias. Na Terra Indígena Vale do Javari, nas proximidades de onde Bruno e Dom foram assassinados, encontram-se 64 aldeias de 26 povos e cerca de 6,3 mil pessoas. A PF conta com poucos meios para exercer uma vigilância modelo.

A decisão da PF parece não levar em conta um fato óbvio: não foram os dois policiais os assassinos, uma vez que esses últimos já foram revelados. Não é possível jogar responsabilidade pela conduta de outros nem atribuir relação de causalidade aos policiais indiciados pelos crimes cometidos. Afinal, inexiste uma ligação de causa quanto aos delegados indiciados, e muito menos há ligação com a Funai, sendo Bruno funcionário licenciado do órgão e Phillips jornalista.

Os dois articulavam um trabalho conjunto para denunciar crimes socioambientais na região. Bruno por ser da Funai, conhecia bem a região na Amazônia, fronteira tríplice com Colombia e Peru, lugar da maior concentração mundial de povos indígenas isolados, alvo da cobiça de criminosos, devido às riquezas locais e dificuldade de controle por parte das autoridades, graças à enorme extensão. Desentendimentos entre Bruno e um dos acusados já haviam ocorrido.

O comportamento da PF pode ser considerado omisso e pode ser condenável, mas daí a os acusar de homicídio vai um longo caminho jurídico, levando-se em conta um fato inquestionável – nenhum deles perpetrou o ato de matar.

O trabalho de apuração e elaboração da denúncia feita pelo Ministério Público Federal teve a participação da Procuradoria Geral da República, órgãos que dificilmente aceitarão essa tese de dolo eventual, mesmo com toda pressão envolvendo um caso de repercussão internacional.

A utilização da Polícia Federal como polícia de Governo e não de Estado, para atingir adversários com perseguições e cometer injustiças apelando ao ordenamento jurídico para tipificar o crime impossível, é uma tática violenta aos princípios fundamentais da ordem jurídica.

O uso do pretexto de dolo eventual prova como a máquina de perseguição ao governo anterior e a oposição atual é implacável. Recentemente o arbítrio através do ativo judicial e da atuação da Polícia Federal contra todos aqueles que são opositores da atual gestão teve mais um capítulo com esse desdobramento do caso da Funai.

Quantos brasileiros morreram de janeiro para cá? Quantos yanomanis morreram de janeiro para cá? Dito isso, vai sobrar “dolo eventual”, segundo a métrica do novo DPF, para muitas autoridades que exercerem cargos públicos, estaduais ou federais, em especial de janeiro para cá…

 

Na Justiça Federal

As autoridades policiais colocaram sob suspeita pelo menos oito pessoas, por possível participação nos homicídios e na ocultação dos cadáveres.

A Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) decidiu anular o depoimento de três acusados pelos assassinatos. Pela decisão, devem ser anulados e colhidos novamente os depoimentos dos réus Amarildo da Costa Oliveira, Oseney da Costa Oliveira e Jefferson da Silva Lima.

Em depoimentos, os réus voltaram atrás na confissão que haviam feito à polícia e passaram a sustentar uma versão segundo a qual agiram em legítima defesa. Foi a primeira vez que os três se manifestaram perante o juiz.

No final de outubro de 2022, o suposto mandante do assassinato, Rubens Villar Pereira, foi posto em liberdade provisória após pagar fiança de R$ 15 mil.

 

Carlos Arouck Policial Federal Formado em Direito e Administração de empresa

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