Nova legislação garante acolhimento e atendimento humanizado a pais que enfrentam a perda gestacional, fetal ou neonatal
Recentemente, a apresentadora e jornalista Tati Machado apareceu em público para relatar a perda do filho Rael, na 33ª semana de gestação, ocorrida em maio deste ano. Ela compartilhou como descobriu a ausência de batimentos cardíacos e a causa do falecimento. Em fevereiro, a cantora Lexa também enfrentou o luto com a perda da filha Sofia, que nasceu prematura e faleceu três dias após o parto, em decorrência de complicações da pré-eclâmpsia e da Síndrome de HELLP.
O que essas histórias têm em comum? Ambas colocaram em evidência uma dor profunda e silenciosa que, por muito tempo, foi invisibilizada no Brasil: a perda gestacional, fetal ou neonatal. A repercussão desses casos reforçou a urgência de políticas públicas que garantam acolhimento e respeito às famílias enlutadas — e, finalmente, um novo capítulo começa a ser escrito.
A partir de agosto de 2025, entra em vigor em todo o país a Lei do Luto Parental (Lei 15.139/2025), que estabelece uma política nacional de atendimento digno e humanizado a mães e pais que enfrentam a perda de um bebê durante a gestação, no parto ou nos primeiros dias de vida. A nova legislação representa um avanço histórico na humanização da saúde e no reconhecimento da dor desses pais, especialmente daqueles que vivenciam a prematuridade.
“O nascimento prematuro, como o que vivemos com nossa filha, traz consigo uma fragilidade imensa. Essa lei representa um acolhimento que antes não existia”, afirmou Lexa em suas redes sociais, ao apoiar a nova legislação.
Com a nova lei, hospitais públicos e privados deverão adotar uma série de medidas que assegurem escuta ativa, apoio psicológico e emocional, respeito e acolhimento prático. Entre os principais avanços, estão:
- Acomodação separada para mães enlutadas: evita o contato com puérperas e recém-nascidos, preservando o bem-estar emocional.
- Direito à despedida: tempo e espaço adequados para o último momento com o bebê.
- Registro simbólico: os pais poderão nomear o bebê, solicitar fotos, impressões digitais e outros itens de memória.
- Presença de acompanhante no parto: mesmo em casos de natimorto ou perda durante o parto.
- Apoio psicológico pós-alta: oferecido de forma contínua, preferencialmente em domicílio ou na unidade de saúde mais próxima.
- Investigação da causa da perda: exames obrigatórios, com resultados apresentados de forma cuidadosa e sensível.
- Apoio nos trâmites funerários: assistência social durante o processo de sepultamento ou cremação, respeitando as crenças da família.
- Qualificação das equipes de saúde: formação contínua para garantir atendimento empático e qualificado.
- Campanhas públicas de conscientização: promovidas por estados e municípios.
- Reconhecimento oficial de outubro como o Mês do Luto Gestacional, Neonatal e Infantil.
“A nova lei do luto parental vem garantir algo essencial: o direito de as famílias vivenciarem esse momento de dor com dignidade e acolhimento. Entre as mudanças mais importantes está a possibilidade legal de nomear o bebê e realizar um ritual de despedida, como enterro ou cremação — escolhas que ajudam a elaborar o luto”, explica a psicóloga especializada em saúde mental perinatal, Dra. Marisa Sanchez.
Segundo ela, é fundamental que as equipes estejam preparadas para apoiar esses pais, com sensibilidade e informação adequada. “Alguns hospitais ainda carecem de profissionais especializados em luto perinatal, o que pode dificultar a condução desse processo tão delicado. O ideal é que os pais tenham apoio para criar lembranças afetivas, tais como digitais, o cordão umbilical, uma mantinha, contudo, sempre respeitando os limites e desejos de cada um”, afirma.
Para Denise Suguitani, diretora da ONG Prematuridade.com – única organização nacional dedicada exclusivamente à causa da prematuridade – a nova lei é um marco. “A Lei do Luto Parental representa um avanço fundamental na humanização do cuidado com famílias que enfrentam a perda gestacional, fetal ou neonatal. Trata-se de uma dor devastadora, muitas vezes silenciada, que precisa ser acolhida com respeito, sensibilidade e estrutura. Essa legislação garante direitos, mas sobretudo reconhece a dignidade de pais e mães que vivem o luto de um filho. É um passo essencial para transformar a forma como a sociedade e os serviços de saúde lidam com essa realidade”, explica Denise.
A legislação determina que equipes médicas realizem, sempre que possível, investigações sobre as causas da perda, prestando informações de forma clara e empática às famílias. Os profissionais de saúde devem ser qualificados para lidar com esse tipo de luto com preparo técnico e emocional. “Essa conquista mostra que políticas públicas sensíveis, voltadas à saúde emocional das famílias, são essenciais para um país mais justo. A dor que antes era silenciosa agora encontra espaço para ser respeitada e amparada”, salienta Denise.
A psicóloga ainda reforça a importância de cuidar também do entorno familiar: “Esses pais precisam de afeto e de um ‘colo emocional’. Atos simples, como ajudar nas tarefas domésticas, cuidar dos outros filhos ou garantir uma alimentação básica, fazem a diferença. Não há um tempo determinado para resolução da perda, porém o tempo esperado para elaborar o luto é em torno de 1 ano podendo se estender um pouco”.
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Dra. Marisa também alerta para questões práticas que muitas vezes são esquecidas: “Mesmo com a perda, o corpo da mulher segue o curso natural do puerpério. Muitas mães, especialmente de prematuros, enfrentam produção de leite abundante e precisam de orientação sobre ordenha, amamentação e autocuidado físico e emocional”.
Sobre a ONG Prematuridade.com – A Associação Brasileira de Pais, Familiares, Amigos e Cuidadores de Bebês Prematuros – ONG Prematuridade.com, é a única organização sem fins lucrativos dedicada, em âmbito nacional, à prevenção do parto prematuro e à garantia dos direitos dos prematuros e de suas famílias. A ONG é referência para ações voltadas à prematuridade e representa o Brasil em iniciativas e redes globais que visam o cuidado à saúde materna e neonatal. A organização desenvolve ações políticas e sociais, bem como projetos em parceria com a iniciativa privada, tais como campanhas de conscientização, ações beneficentes, capacitação de profissionais de saúde, colaboração em pesquisas, aconselhamento jurídico e acolhimento às famílias, entre outras.