Majoração da sentença condenatória pode chegar a 40 anos de reclusão, a maior prevista no sistema penal do país
Por Simone Salles
Entra em vigor a legislação que promove mudanças significativas na atuação policial e judicial em casos de ameaça contra mulheres, principalmente em situações de violência doméstica e familiar. Trata-se da Lei nº 14.994, de 9 de outubro de 2024, conhecida como “Pacote Anti-Feminicídio”.
Essa norma representa um marco na luta contra a violência de gênero no Brasil, ampliando as penas e garantindo maior proteção às vítimas, enquanto responsabiliza de forma mais severa os agressores.
Uma das principais alterações é a transformação do crime de ameaça contra a mulher, motivado por violência doméstica, familiar ou discriminação de gênero, em um crime de natureza pública incondicionada, ou seja, não dependerá mais da manifestação da vítima para que as ações penais sejam iniciadas.
Antes, a polícia só podia agir em casos de ameaça se a vítima representasse a denúncia. Agora, mesmo que a mulher busque a polícia apenas para interromper a ameaça e não deseje continuar com medidas judiciais, os agentes são obrigados a deter o agressor e levá-lo à delegacia para o registro da ocorrência e lavratura do auto de prisão em flagrante.
Com as mudanças, a pena do feminicídio é aumentada de um terço até a metade se o crime é praticado com emprego de veneno, tortura, emboscada; contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos; na presença dos pais ou filhos da vítima; durante a gestação, entre outros casos.
Ao tornar o feminicídio um crime autônomo e hediondo, a pena pode chegar a 40 anos de reclusão, a maior prevista no Código Penal.
Principais pontos da nova lei
O texto sancionado altera outras legislações, o Código Penal, a lei Maria da Penha e a lei dos crimes hediondos. As mudanças endurecem penas e ampliam a proteção às mulheres. Entre as inovações introduzidas, estão:
1.Feminicídio como Crime Autônomo – A lei torna o feminicídio um crime autônomo, com pena de 20 a 40 anos de reclusão, em vez de ser tratado como um homicídio qualificado, com penas de 12 a 30 anos.
2.Pena Dobrada para Crime de Ameaça – A pena para o crime de ameaça será dobrada quando cometido contra uma mulher por razões de gênero, e a ação penal passa a ser incondicionada.
3.Aumento de Penas para Crimes contra a Honra – Crimes de injúria, calúnia e difamação contra mulheres terão penas dobradas se motivados pela condição de gênero.
4.Lesão Corporal Agravada – Para lesão corporal contra familiares próximos, como cônjuges ou conviventes, a pena aumenta para 2 a 5 anos de reclusão.
5.Feminicídio Reconhecido como Crime Hediondo – O feminicídio passa a ser tratado como crime hediondo, o que implica punições mais severas.
6.Descumprimento de Medida Protetiva – As penas para o descumprimento de medidas protetivas foram elevadas para 2 a 5 anos de reclusão, com possibilidade de multa.
7.Progressão de Regime Mais Rígida – Para crimes contra a mulher, o condenado deverá cumprir 55% da pena antes de ter direito à progressão de regime, incluindo réus primários.
8.Restrições a Direitos para Condenados – Condenados por feminicídio ou violência doméstica não terão direito a visitas íntimas e deverão usar tornozeleira eletrônica em saídas temporárias.
9.Transferência de Presídios – Em casos de ameaça cometida por um preso, este será transferido para um presídio distante da vítima.
10.Perda de Poder Familiar e Cargos Públicos – Condenados por crimes contra mulheres perderão automaticamente o poder familiar, da tutela ou da curatela e quaisquer cargos públicos que ocupem.
Repercussões
A nova legislação visa tornar a atuação policial mais proativa, obrigando as forças de segurança a agir imediatamente em casos de ameaça ou violência, independente da vontade da vítima em prosseguir judicialmente. A expectativa é que essa medida contribua para reduzir a subnotificação de casos e previna a escalada de ameaças para agressões mais graves ou feminicídios.
A lei também traz desafios, como a necessidade de maior capacitação policial e adaptação das delegacias e presídios para acomodar o aumento das prisões e registros de casos. Será crucial que as autoridades assegurem não só a repressão, mas também apoio efetivo às vítimas ao longo de todo o processo.
O pacote anti-feminicídio foi proposto em resposta ao aumento dos casos de violência contra mulheres no Brasil. De acordo com o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 1.467 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023, o maior número registrado desde a criação da lei que tipifica esse crime, em 2015.
*Jornalista, mestre em Comunicação Pública e Política