Documentos inéditos apontam que o STF montou uma estrutura informal para investigar presos do 8 de janeiro; práticas levantam dúvidas sobre garantias legais e imparcialidade judicial
Por Carlos Arouck
Uma nova fase da série Vaza Toga veio à tona nesta segunda-feira (4), revelando documentos, mensagens e práticas até então desconhecidas no sistema judiciário brasileiro. De acordo com os jornalistas Michael Shellenberger, Eli Vieira Jr. e Glenn Greenwald autor da primeira fase da série, o Supremo Tribunal Federal (STF), por meio de uma força-tarefa paralela dentro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), teria conduzido uma operação de monitoramento político e ideológico de pessoas investigadas ou presas pelos atos de 8 de janeiro de 2023.
Segundo as reportagens, essa estrutura informal era composta por servidores do STF e do TSE incluindo assessores diretos do ministro Alexandre de Moraes atuava sem respaldo jurídico formal, utilizando grupos de WhatsApp, planilhas internas e bancos de dados sigilosos, sem autorização judicial. As investigações abrangiam milhares de pessoas detidas após a invasão da Praça dos Três Poderes e envolviam a análise de curtidas, postagens em redes sociais e comentários com teor político tudo isso sem direito ao contraditório, sem defesa e sem participação do Ministério Público.
Os documentos revelam que a manutenção da prisão de diversos acusados foi justificada com base em critérios como seguir páginas de direita, criticar o presidente Lula ou o próprio STF, ou ainda manifestar apoio a protestos anteriores. Em alguns casos, postagens antigas como tuítes de 2018 com críticas ao PT foram usadas como argumento para manter a prisão de suspeitos, mesmo quando a Procuradoria-Geral da República (PGR) já havia se posicionado pela soltura.
Um dos casos mais simbólicos é o de um caminhoneiro que, mesmo sem participação direta nos atos, foi preso por postagens no Facebook e permaneceu quase um ano sob custódia. Outro exemplo citado é o de um vendedor de camisetas, detido apenas por frequentar um acampamento em frente a um quartel, sem envolvimento com os acontecimentos do dia 8.
Os documentos indicam ainda que o grupo produzia “certidões” que serviam de base para decisões judiciais de Moraes. A classificação dos detidos era feita com base em perfis digitais de redes como Facebook, Twitter, Instagram, Telegram, Gettr e TikTok. Os suspeitos eram rotulados como “positivos” (ameaça à democracia) ou “negativos” (não perigosos), sem qualquer chance de defesa prévia.
Juristas ouvidos por diversos veículos apontaram que as práticas relatadas violam gravemente princípios constitucionais, como o devido processo legal, o direito à ampla defesa e o papel do Ministério Público como titular exclusivo da ação penal. “Um tribunal não pode investigar, produzir provas e julgar ao mesmo tempo. Isso fere o princípio do sistema acusatório”, afirmou um ex-ministro do STJ sob condição de anonimato.
De acordo com os documentos, Cristina Yukiko Kusahara, chefe de gabinete de Moraes, era uma das coordenadoras do grupo de WhatsApp que trocava os relatórios internos. Também participavam o assessor Airton Vieira e integrantes da Unidade de Combate à Desinformação do TSE. Essa equipe teria atuado por semanas na criação de perfis ideológicos de mais de 1.400 detidos, substituindo procedimentos formais de investigação.
Os jornalistas afirmam que os documentos foram oferecidos previamente a grandes veículos da imprensa, que teriam se recusado a publicá-los. Segundo eles, alguns editores classificaram o material como “perigoso demais” ou “institucionalmente sensível”. A série só foi retomada com apoio de jornalistas internacionais, especialmente Michael Shellenberger, que já havia participado do Twitter Files Brasil.
“Estou arriscando tudo: minha carreira, minha segurança, minha liberdade. Mas, como jornalista, não posso me calar diante disso”, declarou o autor da primeira publicação.
As novas revelações aprofundam a crise de confiança entre a sociedade civil e o Judiciário brasileiro. Elas expõem o uso político de instituições que deveriam zelar pela imparcialidade e mostram a vulnerabilidade de direitos fundamentais diante de estruturas informais de poder. Também evidenciam o silêncio de setores da imprensa e a pressão sobre jornalistas que ousam investigar figuras poderosas.
Até o momento, o STF e o TSE não se manifestaram oficialmente sobre as novas denúncias.
Permanecem as perguntas centrais: quem vigia os que julgam? E qual o limite do poder de uma Corte que investiga, acusa e pune muitas vezes sem contestação acima das leis que deveria proteger?