José Gadêlha Loureiro*
O Natal se presta a muitas variações, significados e curturas ao sabor dos tempos neoliberais — onde o modismo é ser “chiquérrimo”, a começar por esse termo que não existe, a não ser na mesma lógica do modismo e para o glamour das “falas que impressionam” o brasileiro médio — com dinheiro, mas desprovido do mínimo de cultura letrada, ou que gosta de navegar ao sabor da linguagem noveleira.
Como o modo de produção capitalista é pautado por crises permanentes — gerando sempre insegurança socioemocional — o mesmo sistema vive a projetar no indivíduo indagações nascidas de seu vazio cognitivo, para não enxergar o mundo além da lógica do capital. Se vivo Sócrates fosse, refundaria a Caverna Platônica, não como aparência da realidade, mas como reflexo da própria aparência. E no mundo neoliberal — do sujeito autoexplorado e cansado de si mesmo — o que vale são bolhas de um mundo líquido, para lembrar Z. Bauman. A dura realidade o incomoda.
O mundo pode ser projeto de futuro, como perspectivas dos nossos anseios, ou caminhos por nós projetados; e também espaço do devir. Entretanto, não se pode esquecer que o devir é uma realidade nascida a partir do conflito de várias outras realidades, a moldar o mundo. Ele escapa a qualquer possibilidade de planejamento. E por conflito, não entenda os sentidos que o senso comum lhe atribui. Os likes não se originam de contradições; antes, são frutos de uma realidade imaginada no universo digital. Os likes são a fórmula básica do consumo. Uma coisa é imaginar a realidade, outra é vivê-la! Não há espaço para a negatividade no mundo dos likes; apenas excesso de positividade — razão de ser do consumo.
O mundo digital neoliberal, como mundo do sujeito cansado, sempre a responder às necessidades do consumo, perde-se num vazio a percorrer as redomas de uma vida tautológica. Sem contradições, a vida perde significância no excesso de positividade — diria Byung-Chul Han. E o sentido dos tempos digitais é a ausência de contradições do ser humano, na busca de atingir uma felicidade sem conflitos; mal sabendo ele que o próprio conflito redimensiona o viver.
Os chamados tempos pós-modernos representam uma nomenklatura necessária às explicações do próprio mundo, quando o capital busca repaginar a realidade para que as pessoas a vejam de outra maneira; não necessariamente com mais compreensão do real, mas a partir de explicações moldadas pelas variações do capital.
O sujeito do desempenho, dos tempos neoliberais, busca em vão mudar sua vida, mas não compreende que a lógica do capital e sua ideologia comandam o mundo. Entretanto, vive a apregoar, dentro dessa mesma lógica, que a vida não traz sentido; que as coisas são “assim mesmo”; que “o negócio é se conformar!”. E curioso — tudo é ideologia — para ele. De fato, é a ideologia do capitalismo a permear a sociedade como um todo.
Quando o capital transpôs o sujeito da sociedade de disciplina para a sociedade de controle — vivida atualmente — buscou apresentar ao mundo uma nova psicologia: a psicologia da positividade. Agora minha felicidade só depende de mim; sou meu autoempreendedor. Assim, se estou triste, cabe a mim a responsabilidade pelo meu sofrimento. Esse culto à positividade, por sua vez, isola as pessoas — para Byung-Chul Han — e ofusca o contexto social responsável pelo sofrimento; até as dores sociais são privatizadas!
Diante desse quadro, o sistema tenta nos apresentar um novo espelho na tentativa de remasterizar a realidade social. Ocorre que a lógica do espelho, embora mostre apenas aparências, é um revelador incômodo de nossas peculiaridades espirituais, diria a filosofia — já que pensamos a partir da nossa práxis, segundo Marx. E na vida “há ideias — como diria Machado de Assis — que são da família das moscas teimosas: por mais que a gente as sacuda, elas tornam e pousam”. Assim se portam aqueles que desejam mudar a realidade — voltando à mesma como parte de suas ações; esquecendo que o sofrimento nasce e é socialmente mediado na práxis social dos seres humanos.
À realidade social não se aplica a prática do carpinteiro, a lustrar a madeira velha para dar-lhe aparência de nova. A realidade é sempre incômoda. E como o capital vive de lacunas ideológicas, culpabiliza os indivíduos e ofusca socialmente as saídas para o sofrimento humano; uma espécie de efeito “aspirina”: enquanto não se extrai o tumor — com mudança social — criam-se falsas projeções de uma realidade inexistente, na qual todos devem ser alegres e festejar… É Natal! Muitos abraços… sorrisos… e também lágrimas de crocodilo… esquecendo-se que dois problemas se misturam: a “verdade do universo” e o boleto que vai vencer… parafraseando Raul Seixas.
E Jesus Cristo?! Jesus continua perseguido em sua caminhada… em cada criança morta ou fugitiva das guerras imperialistas… em falsas religiões a usarem seu nome… no capital, a transformá-lo em mercadoria ao vil metal dos poderosos… Jesus… Jesus… Jesus…
José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário-Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-Diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal). Siga-nos – Instagram: @prof.josegadelha
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