Milhões de pessoas com deficiência ainda enfrentam barreiras no mercado de trabalho, na educação e na vida social
Por Simone Salles
O Brasil celebra em setembro o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, uma data que carrega a lembrança de que, apesar de importantes conquistas legais, a realidade ainda está distante de uma inclusão plena.
Oficializada em 2005 pela Lei nº 11.133, a data nasceu da mobilização de movimentos sociais e tem como objetivo reforçar o compromisso com a cidadania e a inclusão, transpondo barreiras que continuam a limitar a vida de milhões de brasileiros.
Do ponto de vista jurídico, o país possui instrumentos avançados. A Lei Brasileira de Inclusão (Lei 13.146/2015) consagrou o modelo social da deficiência, segundo o qual não é a pessoa que “carrega” a limitação, mas sim o ambiente que, ao impor barreiras, restringe direitos. Já a Lei de Cotas (Lei 8.213/91) obriga empresas com mais de 100 funcionários a destinar de 2% a 5% de suas vagas para pessoas com deficiência. Há ainda o Estatuto da Pessoa com Deficiência e normas trabalhistas que garantem acessibilidade, proteção contra discriminação e adaptações razoáveis.
No entanto, a realidade mostra o contraste entre o que está previsto em lei e o que se concretiza no dia a dia. Segundo dados do Ministério do Trabalho, em 2024 havia pouco mais de 545 mil pessoas com deficiência empregadas formalmente, um número pequeno diante dos 14,4 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, cerca de 7,3% da população com dois anos ou mais.
Muitas vezes, o problema não está na ausência de leis, mas na dificuldade de efetivá-las: processos seletivos inacessíveis, falta de tecnologias assistivas, ausência de comunicação adaptada e ambientes de trabalho despreparados são exemplos de barreiras que afastam a participação plena.
Outro entrave é o capacitismo, preconceito cultural que se manifesta tanto em atitudes discriminatórias explícitas quanto na invisibilização das pessoas com deficiência. Muitas empresas ainda enxergam a contratação apenas como obrigação legal e não como oportunidade de enriquecer seus quadros com diversidade.
Soma-se a isso a lentidão na regulamentação de pontos centrais da legislação, como a aplicação prática do modelo biopsicossocial, que exige não apenas conceito, mas critérios claros e políticas específicas.
A luta também se estende a áreas como educação e saúde. Apesar do discurso inclusivo, práticas segregacionistas e a falta de acessibilidade ainda são comuns em escolas, comprometendo a autonomia de crianças e jovens.
Os avanços, porém, não podem ser ignorados. A adoção do modelo social em políticas públicas e decisões judiciais representa uma mudança profunda de paradigma, assim como a crescente incorporação de tecnologias assistivas e adaptações que, ao atender PcDs, acabam melhorando a experiência de todos. Experiências em empresas que transformam acessibilidade em cultura mostram que, quando há comprometimento, a inclusão revela potenciais até então subestimados.
O caminho da inclusão passa por medidas práticas, como fiscalizar e garantir o cumprimento das leis existentes, capacitar empresas e instituições públicas; investir em tecnologias acessíveis; incluir a diversidade funcional nos currículos escolares e assegurar a participação direta das pessoas com deficiência na formulação de políticas e decisões. O lema “nada sobre nós sem nós” continua sendo a síntese de uma luta que, apesar das vitórias, ainda precisa avançar para transformar promessas legais em realidade cotidiana.