Por Carlos Arouck
O noticiário político brasileiro segue um padrão estabelecido há anos: concentra-se em Jair Bolsonaro. Qualquer declaração, gesto ou decisão judicial ligada ao ex-presidente ganha as manchetes, independente do peso real do assunto. Problemas de impacto prosseguem em segundo plano, mesmo que sejam crises de corrupção sistêmica. Essas questões que desgraçam a vida de milhões de cidadãos mal recebem menção na mídia.
O caso do Banco Master ilustra esse apagamento da imprensa de forma precisa. Em novembro de 2025, a Operação Compliance Zero expôs um esquema de carteiras de crédito fictícias ou infladas, vendidas por valores superfaturados. O banco captava fundos via CDBs com taxas acima da média de mercado, direcionava esses recursos para criar empréstimos sem garantia real e os transferia para instituições por preços inflados. Um contrato notável destinou R$ 303 milhões a uma firma registrada no nome de uma atendente de lanchonete.
O Ministério Público Federal aponta que o rombo total chega a R$ 12,2 bilhões, com passivos revelados após a liquidação que somam até R$ 56 bilhões. O Fundo Garantidor de Créditos pode arcar com até R$ 49 bilhões em indenizações, o que afeta 1,6 milhão de investidores. O Banco Central determinou a liquidação extrajudicial da instituição, a Polícia Federal deteve o banqueiro Daniel Vorcaro na tentativa de fuga do país, prendeu outros executivos e congelou bens no valor de R$ 230 milhões. A investigação avança para apurar crimes como corrupção ativa e passiva, lavagem de dinheiro e conluio entre agentes públicos e interesses privados.
O esquema ganhou contornos ainda mais graves com as conexões políticas de Vorcaro, que construiu uma rede ampla para blindar suas operações. O banqueiro visitou o Palácio do Planalto três vezes entre 2023 e 2024, sob o governo Lula, e contratou como consultores figuras próximas ao Planalto, como o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega – que o levou a encontros com o presidente – e o ministro da Justiça Ricardo Lewandowski, antes de sua posse no cargo. Seu sócio Augusto Lima mantém laços com o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, com quem desenvolveu o programa Credcesta na Bahia, base para expansão do Master em mais de 20 estados.
Outros nomes surgem na teia, como o ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira e o ex-ministro Walfrido dos Mares Guia. Para proteção judicial, o Master gastou mais de R$ 500 milhões com advogados nos últimos 24 meses, incluindo o escritório Barci de Moraes, onde atuam Viviane Barci de Moraes, esposa do ministro do STF Alexandre de Moraes, e dois filhos do casal. Esses contratos, firmados em 2024, envolvem áreas como recuperação judicial e relações governamentais, e o escritório já defendeu a família de Moraes em investigações anteriores. A Polícia Federal agora mapeia se essas ligações facilitaram a maquiagem contábil ou a venda de ativos podres para fundos públicos, como o da Rioprevidência, que aplicou R$ 970 milhões em títulos do banco.
A crise dos Correios agrava o quadro geral. A empresa estatal registra déficits na casa dos bilhões e enfrenta fraudes internas e cibernéticas de forma constante. No Espírito Santo, a Polícia Federal detectou desvio de pacotes e manipulação em apólices de seguro para itens perdidos. Em Salvador, a Operação Registro Frágil investigou terceirizados que alteravam dados de entregas para reter mercadorias. Desde 2020, esses incidentes se multiplicam sem reformas profundas.
Golpes online pioram a situação. Mensagens fraudulentas cobram taxas por supostas liberações de envios, oferecem empregos fictícios ou simulam devoluções de pacotes. As vítimas acessam páginas falsas, perdem dados pessoais e enfrentam perdas financeiras. O boom do comércio eletrônico cria terreno propício para essas armadilhas.
O fluxo de fraudes ganhou impulso extra quando os Correios assumiram o atendimento a vítimas da mega fraude no INSS. Essa operação, revelada em 2025, envolveu descontos indevidos em benefícios de aposentados e pensionistas, totalizando R$ 6,3 bilhões entre 2019 e 2024 – com o volume saltando 84% em 2023 para R$ 1,3 bilhão e projetado em R$ 2,6 bilhões para 2024, segundo a Controladoria-Geral da União (CGU). Sindicatos e associações usavam convênios com o instituto para cobrar mensalidades sem autorização, em um esquema que cresceu sob o governo atual apesar de alertas desde 2022. Em um só dia, mais de 60 mil pessoas procuraram os Correios por ressarcimentos, o que causou falhas no sistema, atrasos e sobrecarga em uma rede já fragilizada. A estatal perdeu terreno no mercado, enquanto operadores privados expandiram operações.
Outros episódios de corrupção no governo Lula reforçam o padrão de desvios em instituições públicas. Em abril de 2025, o então ministro das Comunicações, Juscelino Filho, renunciou após denúncia da Procuradoria-Geral da República por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e fraude em licitações – crimes investigados pela Polícia Federal desde 2024, quando ele já ocupava o cargo. Lula manteve o ministro no posto até a denúncia formal, o que gerou críticas por aparente leniência. No mesmo ano, o ministro da Previdência, Carlos Lupi, virou alvo de inquérito por suposto envolvimento na fraude do INSS, que pode ter desviado até R$ 8 bilhões em consignados irregulares; Lupi, que já enfrentou acusações em 2009 por uso de avião fretado por empresário com contratos em seu ministério, resistiu a pedidos de demissão. A estatal Codevasf, responsável por executar bilhões em emendas parlamentares, manteve diretores indicados pelo Centrão, em meio a histórico de irregularidades que persiste desde gestões anteriores. Esses casos contribuem para a percepção de retrocesso: em 2023, o Brasil caiu dez posições no Índice de Percepção de Corrupção da Transparência Internacional, chegando ao 104º lugar entre 180 países, com críticas ao fortalecimento de alianças com o Centrão e à reaproximação com delatores da JBS.
Esses exemplos revelam um país onde escândalos financeiros, prejuízos em estatais, falhas regulatórias e problemas ambientais disputam espaço limitado na mídia. O Brasil perde ao só falar sobre o ex-presidente e deixar fora dos holofotes as crises que assolam o Brasil. Essa fixação em Bolsonaro atrai audiência e divide opiniões, mas principalmente, atua como uma distração, intencional ou não, que impede o debate sobre questões de interesse público urgentes e ilustra a gravidade dos temas ignorados.
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