EU, TEREZA MEDINA, E RAUL.

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Vou contar pra vocês uma historinha que vivi, envolvendo Raul Seixas, eu e Terezinha Medina. Eu e Tereza, para os de casa, éramos muito amigas, desde a primeira infância. Não tínhamos segredo de uma para outra. Ela sempre uma menina muito educada, religiosa, sonhadora, ultra organizada e conservadora nos hábitos e costumes.

A vida de Teresa para mim era uma mistura de poesia, religiosidade, além de uma ritualística, quase sagrada, que se manifestava: nos horários, gestos, tarefas cotidianas. Eu, embora mais arejada, pois tinha uma mãe de ideias liberais (admiradora de líderes socialistas, revolucionários) não era tão conservadora, nem sonhava tanto.

Algumas vezes penso que essa minha atitude de pés no chão, pouca poesia e poucos sonhos, tinha a ver com uma vida muito dura. Eu era uma adolescente filha de pais separados; cheia de responsabilidades; comecei a trabalhar muito cedo; era arrimo de família. Enfim, menos sonhadora por força da vida.

Éramos bem novinhas, mal havíamos ingressado no curso ginasial. Conversávamos sobre as paixões platônicas, quase sempre de Teresa, pois eu fui mais retardada nessas questões. Conversa vai, conversa vem Tereza me falava do seu professor de inglês. Ela me dizia: “Maria ele é incrível.” E me confessou estar impressionada pelo professor de Inglês. Certo dia ela me convidou para acompanhá-la no seu Curso de Inglês, que ficava na Rua Chile. Era longe, nós morávamos no Largo do Bonfim, mas ela muito convincente conseguiu o seu intento. Fomos ao curso de inglês, juntas.

Durante o caminho ela de vez em quando tecia um comentário sobre ele. Não me lembro, mas acho que era sobre exemplos de músicas, durante as aulas; sobre a sua competência; a sua pronúncia perfeita; a sua inteligência. Saquei que minha amiga Tereza estava mesmo apaixonada.

Mas como ela é muito discreta, me vi obrigada a não expressar a conclusão sobre a sua paixão. Fui conhecer o incrível, o insubstituível, o inigualável professor, sem me referir à possível paixão da amiga. Chegamos ao local do “crime”, RS. era um prédio antigo da Rua Chile, daqueles meio cavernosos, com elevador de porta tipo sanfonada. Ela me pediu: Maria, psiu… Silêncio.

Eu fiquei em total e absoluto silêncio… Era como se a “entidade: o professor” estivesse prestes a se manifestar; já pudesse nos escutar a distância; observar-nos, quase de forma mágica. Na porta da sala, ela num gesto que parecia combinar saudação, com um pedido de licença para me introduzir no recinto, apontando para mim, de forma desajeitada, acanhada. Entramos na sala do curso, se não me engano o nome do Cursinho era IEC, sentamos uma ao lado da outra em carteiras que ficavam mais para trás. A aula começou, nem sei o que o professor ensinara não me lembro de nada.

Eu estava sob o estado de tensão, que a companhia dela exigia. Só me lembro de que Tereza, mal piscava os olhos. Terminada a aula, nos despedimos do professor, eu olhando para o lado, e ela com um sorrisinho de canto de boca, disse “bye-bye” e ele compenetrado respondeu, com pronúncia impecável. Aquela pronuncia que eu só conhecia de filmes. Percorremos o corredor que conduzia até o elevador, outra vez, em silêncio e parecia que assim, ela me impunha o mesmo silêncio. Eu louca para falar, dar a minha opinião, tentei balbuciar alguma coisa; fazer algum comentário, mas ela me pedia com a mão, com um aceno para calar. Como se alguém ainda pudesse ouvir ou copiar.

Andamos um pedacinho da Rua Chile, ainda em silêncio, até que resolvi para o bem ou para o mal emitir uma opinião. Ah Tereza, esse seu professor é muito feio, magro demais e meio descabelado. Ele parece um hippy, nem combina com seu jeito. Ela falou: é Maria? Você achou? Teresa calou-se para sempre. Nunca mais falou sobre o professor de inglês. Um ou dois anos depois eu fui estudar no Colégio Irmã Dulce, no Largo de Roma. E lá um dia, uma colega chamada Wilma, que vivia no meio artístico, e era amiga de Waldir Serrão, um produtor cultural e radialista, me convidou para um show de ROCK and ROLL, no Cine Roma. Ofereceu-me ingresso e companhia e lá chegando, quem eu vi? O professor de Inglês de Tereza Medina. Meu Deus! O magrelo, feio e descabelado era Raul Seixas, cantando lindamente ROCK and ROLL , no Grupo Raulzito e seus Panteras. Saí do show com os pés fora do chão. Principalmente impressionada com a interpretação; com a imagem; e com o desempenho fantástico de Raul Seixas, no palco. E o incrível, ele arrebatava a todos; sobressaía tanto que nem reparei nos seus “Panteras.” Poucos anos depois, a fama de Raulzito se espalhara e a banda é rebatizada pelo nome Os Panteras, tendo em sua formação definitiva além de Raulzito, os integrantes Mariano Lanat, Eládio Gilbraz e Carleba. Chico Anísio e Jerry Adriani identificaram o talento de Raul e dos Panteras e os acolheram, no Rio de Janeiro. Comecei a acompanhar a vida de Raul Seixas e me lastimava da minha amiga Tereza Medina não ter se empenhado mais na conquista do genial Raulzito. Em 1967, Raul Seixas começa um relacionamento com Edith Wisner, filha de um pastor protestante americano.

Fiquei com ciúmes por Tereza! Gostei quando a imprensa; a Candinha que era o Fuxico, da época, noticiou que o pai de Edith não aceitou o namoro da filha. Mas, Raul Seixas fez de tudo, como dizemos na Bahia, pelo amor de Edith. Ele exibiu toda a sua genialidade, para calar o pastor; a Candinha; quem se interpusesse entre ele e Edth. Completou, em 6 (seis) meses,o segundo grau, fez cursinho pré-vestibular e passou em Direito, Psicologia e Filosofia. Com isso, casou-se com Edith, esboroando-se qualquer possibilidade de Tereza Medina, casar-se com Raul. Logo em seguida, abandona os estudos, volta a reunir os Panteras e aceita o convite de Jerry Adriani para ir para o Rio de Janeiro.

E a gente falava de Raul, como se fosse um despeito infantil: quem diria que aquele menino que repetiu três vezes a 2ª série obteria tanto sucesso nos estudos, em curto período de tempo? A essa altura, quem parecia apaixonada por Raul Seixas, era eu, o Brasil,e o mundo inteiro. E assim, os anos passaram Raul Seixas se tornou um ícone do ROCK and ROLL, no Brasil. Obrigada, Teresinha Medina por ter me apresentado Raul Seixas nosso “Maluco Beleza.” Quando ingressei na Universidade Federal da Bahia, participei de um Grupo de Teatro do Instituto de Biologia e propus uma homenagem a Raul Seixas, intitulando a Peça Teatral com o título da sua música “Ouro de Tolo.

” O nome “Ouro de Tolo era uma alusão a uma universidade de qualidade, que prometia realizar os nossos sonhos dourados e a decepção da universidade brasileira precária. A peça excursionou por todos os institutos da Universidade Federal da Bahia, fazendo grande sucesso até ser censurada. Na verdade, olhando agora com mais atenção, desconfio se a censura se deu pelo conteúdo, ou chamou mais atenção da censura pelo título dado por Raul? Dúvida atroz, ou exagero da minha parte? Tudo isto, para que Teresa Medina não desconfiasse do meu romance fracassado com o “Maluco Beleza.”

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