A origem da palavra enfezado tem uma história curiosa — e, literalmente, nada limpa
No século XIX, o Rio de Janeiro estava longe de ser a “cidade maravilhosa”. As ruas eram esburacadas, o esgoto escorria a céu aberto, o mau cheiro dominava os ambientes, e a precariedade fazia parte da vida cotidiana. Nesse cenário insalubre, havia um grupo de trabalhadores escravizados que sofria mais do que a maioria: os chamados “tigres”.
O nome pode causar estranhamento hoje, mas à época fazia sentido. Esses homens, trazidos da África e submetidos à escravidão, realizavam serviços domésticos, entre eles uma tarefa especialmente degradante: carregar e despejar os dejetos humanos de seus senhores na Baía de Guanabara ou em lagoas próximas. Para isso, utilizavam grandes tinas equilibradas sobre a cabeça e caminhavam por pontes de madeira construídas para essa finalidade.
Muitas vezes, durante o trajeto, o conteúdo das tinas escorria pelo corpo dos escravizados, deixando marcas visíveis em sua pele — manchas que lembravam listras. Assim, passaram a ser chamados pejorativamente de “tigres”.
Havia, porém, uma situação ainda pior: quando as tinas se rompiam. Além do constrangimento e do desconforto físico, o escravizado ficava profundamente irritado. Era quando se dizia que o trabalhador estava “enfezado” — ou seja, literalmente coberto de fezes e, consequentemente, muito zangado.
Com o tempo, a expressão se afastou do significado literal e passou a designar apenas o estado emocional: uma pessoa com raiva, aborrecida, mal-humorada. Assim nasceu e se consolidou no vocabulário brasileiro a palavra enfezado.
Por Marcelo S. Souza
Imagem: Revista A Semana Ilustrada, ano de 1861
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