Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 1o. de novembro de 2025
http://www.aldemario.adv.br
A “megaoperação contra o Comando Vermelho” (Operação Contenção), realizada no dia 28 de outubro de 2025, no Rio de Janeiro, foi o principal assunto da semana na imprensa tradicional e nas redes sociais. O evento ganhou projeção internacional pela quantidade de policiais mobilizados (cerca de 2.500) e pelo número de mortos (a última atualização menciona 121).
O debate em torno do gravíssimo e urgente problema da segurança pública tomou conta da sociedade brasileira. Esse, como qualquer outro tema relevante, foi capturado pela inusitada e redutora polarização em curso entre “a esquerda” e “a direita”. É crucial lembrar que a realidade político-social não é, de modo algum, dicotômica.
Não sou especialista em segurança pública. Exatamente por conta dessa condição busquei ler e ouvir os estudiosos do assunto. O bom e velho método científico ensina que resolver um problema requer identificar, com pesquisa e lógica, as suas causas determinantes. Afinal, só atuando nas causas de um problema é viável encaminhar seu equacionamento duradouro. Até a sabedoria popular aponta que para eliminar a erva daninha é preciso arrancar a raiz.
Segundo inúmeros especialistas, o combate ao crime organizado depende de um conjunto de medidas planejadas e executadas de forma consistente. As principais providências mencionadas são:
1 – Cooperação efetiva e permanente entre órgãos de todos os níveis da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios);
2 – Prioridade para a investigação “inteligente” que segue o “caminho do dinheiro” (“follow the money”) e inviabilize a utilização desses recursos financeiros;
3 – Mobilização dos recursos humanos e materiais nos níveis necessários;
4 – Articulação de operações transnacionais;
5 – Implementação de políticas públicas eficientes e contínuas contra a pobreza e desigualdades socioeconômicas, especialmente nas áreas mais vulneráveis;
6 – Retomada da credibilidade e atuação do Estado em territórios dominadas;
7 – Isolamento de lideranças nas unidades prisionais;
8 – Combate rigoroso à corrupção nos órgãos de segurança, com especial fortalecimento da função institucional do Ministério Público voltada para o controle externo da atividade policial;
9 – Discussão séria, sem falsos moralismos, sobre a legalização da produção, comercialização e consumo de drogas como eventual caminho do “mal menor”;
10 – Desenvolvimento de forte e abrangente política pública de prevenção e conscientização acerca do uso de drogas.
Em nenhuma das análises que li ou ouvi encontrei a defesa da realização de megaoperações pirotécnicas, com fortes suspeitas de motivação político-eleitoral, como um tipo de providência eficiente no complexo processo de enfrentamento do crime organizado. Pelo contrário, constatei diversas ponderações no sentido de que várias ações dessa natureza, ao longo tempo, não impediram o fortalecimento das principais facções criminosas.
Tudo indica que a realidade da criminalidade organizada não mudará, ainda que se realizem 10, 100, 200 ou 500 operações nos moldes da aludida “Contenção” e que sejam “neutralizados” 100, 200, 500 ou 1000 indivíduos nas favelas (ou comunidades). As razões básicas para essas conclusões são:
a) os “soldados” das organizações criminosas serão substituídos com facilidade e rapidez;
b) os territórios continuarão “ocupados” e sob domínio criminoso;
c) os grandes e verdadeiros líderes não estão nas favelas (ou comunidades);
d) a logística das organizações criminosas não será afetada;
e) o crime organizado já movimenta mais dinheiro com a venda irregular de combustível, ouro, cigarros e bebidas do que com o tráfico de drogas;
f) os fluxos financeiros decorrentes das ações ilícitas permanecem intocados.
Não defendo vida fácil para bandidos (de todos os escalões, matizes e áreas de atuação), notadamente os integrantes do crime organizado. Apenas constato, com base nas análises dos especialistas, que frear o avanço da bandidagem exige ações planejadas e eficientes, e não, espetáculos grotescos de uso da força bruta.
Outro ponto merece ser destacado. Existe um caminho civilizado para combater a criminalidade, devidamente consagrado na ordem jurídica. Esse caminho não contempla penas de morte, execuções sumárias ou torturas. Trata-se de uma conquista civilizatória que deve ser preservada. É preciso agir com energia e firmeza contra o crime. Essa postura, entretanto, não significa se colocar no mesmo nível de barbárie dos marginais.
Infelizmente, largas parcelas da população brasileira, premidas pela insegurança crescente e sem perspectivas concretas de superação desse quadro, tornam-se reféns de um discurso fácil, imediatista e equivocado, justamente aquele lastreado no autoritarismo, arbítrio, força e violência.
Decididamente, os graves problemas de segurança pública não encontrarão seu caminho de solução na base da generalização e normalização do “tiro, porrada e bomba” nas áreas onde vivem os segmentos mais fragilizados da sociedade brasileira.
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