Por José Gadêlha Loureiro*
O que é o mundo que esperamos se não a continuidade do mundo atual? A propósito, não existe uma realidade nos esperando de braços abertos para nos aconchegar, como nossos pais. De fato, o que existe é uma construção mental, previamente organizada, a criar elementos condizentes as nossas ilusões projetadas. O que vai ao encontro do pensamento de Demóstenes – para quem é fácil nos iludirmos, visto acreditarmos mais facilmente naquilo que desejamos. Por isso, 2026 pode ser apenas um projeto de futuro, como perspectivas dos nossos anseios, ou caminhos por nós projetados.
Seguindo essa linha de raciocínio, é inútil o ser humano pedir um ano vindouro melhor, sem muitos problemas ou dificuldades para gerir. O sentido que dar sentido a vida é justamente a nossa capacidade de superar problemas; afinal, para cada problema colocado diante de nós, deve ser, por nós mesmo construído um encaminhamento de solução. A vida em si não está incólume às intempéries; ao contrário, estas dão-lhes norte. Não há vida sem dificuldades; o que existe são pessoas vivendo ilusões – sejam pessoas sãs ou doentes, ricas ou pobres. Viver é uma condição e não uma pretensão – elemento aleatório como o próprio futuro. E este não existe; apenas o desejo de a cada dia estarmos vivos. E não adianta apelar à natureza; esta não se contrista, segundo Arthur Shophenrauer.
A questão está centrada no ser humano, com a necessidade dele se auto interrogar – afinal, nos tempos atuais, o que é o homem? Que imagem podemos projetar de nós mesmos? O filósofo Sócrates em sua maêutica, pergunta…”de que modo seria possível encontrar a si mesmo?”… E acrescenta: “poderia apenas concluir que o homem não é nada, ou que, se é alguma coisa, não é nada além de alma.” Ou Nietzsche responderia “no fundo o homem perdeu a fé em seu valor.” E perguntamos nós – que valores moldam o ser humano hoje? Não teria a lógica do capital reduzido a dimensão humano; de fim, teria-o transformado em meio? Estaria a vida humana destinada à condição de Sísifo, de Alberto Camus? Ou encantado com a ilusão das ilusões das Big-techs, “ganhou este mundo, mas perdeu a alma” – como disse Jesus Cristo?
O homem produz sua história, mas na caminhada perde o controle dos acontecimentos. E a evolução histórica do mundo digital neoliberal conduziu o sujeito ao excesso de positividade. Sem a suposta ideia de conflitos, o homem sente-se livre na sociedade de controle; entretanto, isso é apenas uma das armadilhas do mundo digital – a ilusão de que “posso viver sem conflitos”; “a ninguém devo satisfação”; “sou gestor do meu destino!” Esse homem sente a vida como um fardo; não como eterno recomeço do fardo de Sísifo, e sim como sujeito cansado de si mesmo – buscando preencher o vazio de sua existência existencial -, moldada apenas pelas necessidades de consumo.
A vida digital retirou do homem a capacidade de sonhar. Consumidor não sonha; apenas deseja. Ele não vê o contraditório como dimensão social; aliás, ele é o próprio contraditório a esvaziar-lhe a dimensão humana. E podemos acrescentar o que filósofo Giovani Reale, em O Saber do Antigos – terapia para os tempos atuais -, nos adverte: “o caminho em que entramos com a cultura fundamentada na práxis e na tecnologia, e que passa pela busca ilimitada do bem-estar material, ameaça levar-nos para o fim contrário: para ter-cada-vez-mais corremos o risco de não-ser-mais.”
A vida humana do mundo digital neoliberal teria acentuado a questão dostoievskiana – o homem não conhece seu destino, e se conhecesse, não o suportaria. Seria essa a condição humana a que estaríamos submetidos, ou seria apenas o ponto de partida para a vida humana – como trabalho de Sísifo? Ou seria necessário lembrar Ilusões da Vida? – versos de Francisco Octaviano de Almeida Rosa … para…
Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu;
Quem não sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu;
Foi espectro de homem, não foi homem,
Só passou pela vida, não viveu.
Ante o exposto, com o ser humano a navegar nas águas tecnológicas da vida, vale a advertência do velho Sócrates: “quando descobrimos todas as respostas, mudam-se as perguntas.”

José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal).
Siga-nos – Instagran: prof.josegadelha
Ir para o conteúdo






