Por: Vinicios Cardozo
O que separa o crime do terror
A diferença entre o crime organizado e o terrorismo não está apenas no nome, mas na motivação.
As facções criminosas — como o PCC e o Comando Vermelho — são estruturas voltadas ao lucro, funcionando como organizações empresariais ilícitas que buscam dinheiro por meio do tráfico, contrabando e domínio territorial.
Já o terrorismo é movido por motivação ideológica, política ou de ódio (religioso, racial, etc.). Seu objetivo é gerar pânico generalizado e forçar mudanças políticas ou subverter a ordem do Estado.
A Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016) foi criada exatamente para punir esse tipo de motivação. O substitutivo do PL Antifacção tenta justificar a equiparação dizendo que os efeitos das facções — medo e violência — são parecidos com os do terrorismo.
O problema é que, ao ignorar a motivação e focar apenas no resultado, o projeto banaliza o conceito de terrorismo. Ele aplica uma lei feita para combater ameaças políticas e ideológicas a crimes econômicos e organizacionais, criando uma confusão jurídica perigosa.
As implicações dessa mudança vão muito além do simbolismo de “endurecer a lei”.
A lógica do clamor popular e o risco de erro
A tramitação do PL Antifacção expõe um fenômeno recorrente no Legislativo brasileiro: a reação apressada a fatos sociais, que resulta em projetos sem base conceitual sólida, focados apenas no aumento de penas.
Um exemplo recente dessa falta de rigor técnico foi a inclusão, no texto do substitutivo, de uma medida que limitava a atuação da Polícia Federal, exigindo aval do governador para operações conjuntas. A proposta foi duramente criticada pela PF e pelo Governo Federal como um “retrocesso” que inviabilizaria investigações cruciais — o que forçou o relator a recuar.
Esse episódio ilustra como, na ânsia de dar uma resposta rápida ao clamor popular, o legislador pode criar leis com efeitos contrários aos desejados.
Um precedente histórico e desastroso dessa lógica ocorreu com a alteração do artigo 157 do Código Penal (roubo), no Pacote Anticrime, proposto pelo então ministro Sergio Moro.
Na tentativa de endurecer a punição, a inclusão da expressão “arma de fogo” no texto levou à revisão e redução de penas de inúmeros condenados por uso de outros tipos de arma.
Agora, o mesmo risco se repete: a equiparação de facções criminosas ao terrorismo não apenas é um erro conceitual, mas pode gerar consequências jurídicas não intencionais e desastrosas, como:
1. Penas extremas e desproporcionais
O projeto prevê aumento da pena para o crime de terrorismo (e, por extensão, para condutas equiparadas) para 20 a 40 anos de prisão — o máximo permitido pelo Código Penal.
Aplicar punições idênticas a crimes de natureza distinta viola o princípio da proporcionalidade e abre espaço para contestações judiciais.
O endurecimento penal, isoladamente, não resolve o problema da segurança pública; ao contrário, tende a tornar o sistema mais rígido e menos justo.
2. Risco de perda de controle e de soberania
Ao classificar facções como terroristas, o Brasil redefine um problema interno de segurança pública como uma questão de segurança internacional.
Isso pode abrir caminho para que nações estrangeiras pressionem — ou até tentem intervir — sob o pretexto de combater o terrorismo transnacional, comprometendo a autonomia e a soberania nacional.
3. Justiça sobrecarregada e risco de exceção
Crimes de terrorismo são julgados pela Justiça Federal e seguem rito processual mais severo, com menos garantias aos réus.
Transferir milhares de casos de facções para essa esfera sobrecarregaria o sistema e poderia restringir direitos fundamentais, aproximando o país de um regime de exceção — algo vedado pela Constituição.
O caminho certo: inteligência e asfixia financeira
O combate eficaz às facções criminosas não depende da criação de um “supercrime” com penas altíssimas.
A solução está em fortalecer a Lei de Organizações Criminosas (Lei nº 12.850/2013), investir em inteligência policial, cooperação institucional e na asfixia financeira desses grupos.
É preciso cortar o fluxo de dinheiro que sustenta as facções, e não apenas prolongar o tempo de prisão de seus integrantes.
A insistência em equiparar facções criminosas ao terrorismo é um atalho perigoso que sacrifica a clareza jurídica e a proporcionalidade em nome de um simbolismo político.
O Congresso Nacional precisa agir com responsabilidade técnica e constitucional, rejeitando simplificações e buscando soluções estruturais, capazes de enfraquecer o crime organizado sem comprometer os fundamentos do Estado de Direito.
Vinicios Cardozo – Advogado Criminalista, sócio fundador do GMP | G&C – Advogados Associados, especialista em Ciências Criminais.
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