A Cultura do Distrito Federal perdeu o desbravador, precursor do Axé Music, do Carnaval de Rua e o idealizador da descentralização da Cultura do Plano Piloto para as cidades satélites. O percursionista da banda e fundador Trem das Cores, Mano, menos conhecido como João Santos Filho, morreu nesta terça-feira (9), em consequência do Covid-19 e deixa legado incomensurável para a Cultura brasiliense.
Tudo OK Notícias entrevistou Cacá Silva e o irmão de Mano, Paulinho Moreno, para traçar a trajetória de Mano para a música e sua importância no cenário cultural do Distrito Federal, como a introdução da Axé Music em um terreno onde o rock era quem tinha a hegemonia nos anos 80/90.
O primeiro a homenagear Mano, noticiando a morte do amigo e mentor, foi o músico e apresentador de eventos, Cacá Silva, da Banda Imagem e da Banda Magia. Para ele, Mano foi um amigo e ídolo, que deu o apoio nos quatro anos de carreira musical, mas fundamental para alçar novos voos. Mano dava força com o maior prazer para muitos músicos em início de carreira. Essa prática Cacá disse que testemunhou com vários músicos que tiveram em Mano respaldo em todos os sentidos, catapultando talentos.
“Vamos sentir muita falta dele, pelo ser humano que ele era, pelo músico que ele era, pela pessoa maravilhosa, de coração gigante, ele ajudou muitas bandas, muitos profissionais, ele era um cara que estava sempre para incluir. Não existia no diálogo dele nada que fosse para a exclusão. Sempre foi uma pessoa positiva, sempre na questão de agregar. O que a gente puder abraçar, vamos lutar junto. Esse é o legado dele. Sempre dando visibilidade, oportunidade aos novos talentos”, disse emocionado.
Cultura no coração aglutinador
“A primeira vez que toquei em cima de um trio elétrico, foi no Trem das Cores em 1991, com quatro anos de carreira e toquei no Eixão Sul, um local privilegiado onde tive total apoio. Fui muito bem recebido pelo Mano, pelo Paulinho (irmão) pelo Trem das Cores.”
Cacá conta que antes de fundar a Banda Imagem que este ano completa 30 anos, ele era da plateia nos shows do Trio Elétrico e Banda Trem das Cores. Ele montou a banda espelhada na Trem das Cores, no mesmo segmento.
“Trem das Cores foi a primeira banda de Axé que nós tivemos no DF, na sequência veio a Banda Magia, que é dos sobrinhos do Mano e do Paulinho que são irmãos. Em terceiro lugar veio a Banda Imagem. Muita gente pensa que a Banda Imagem veio primeiro, mas não foi, já existia Trem das Cores, a Magia e a Banda Imagem foi inspirada na Trem das Cores.
Na visão de Cacá, o carnaval de rua é o que é hoje por conta do trabalho que o Mano fez juntamente com sua trajetória e a Banda. Mano esteve no carnaval da Bahia, pegando a “cancha de fazer o carnaval em Salvador, com o trio elétrico dele e trouxeram essas experiência para o DF”.
O Trem das Cores participou de programas de TV de rede locais e nacionais, como do Raul Gil, Super Pop, segundo Cacá. “Estiveram em programas de rádio, durante anos, na 105 e na Jornal de Brasília. Nenhuma outra banda do DF e de nenhum outro segmento teve essa história tão bonita quanto Trem da Cores teve. Ele, junto com Paulinho, são responsáveis pela efervescência que nós tivemos nos anos 90 do Axé Music no DF.
Olodum, Gilberto Gil, Alceu Valença e outros
Mano também lembrou que tocou com cantores de renome nacional tais como Alceu Valença, Gilberto Gil, Olodum, Banda Mel. “Eles comemoram os dez anos do Olodum, em 1989, o Olodum está com os seus 50 anos agora. Ou seja é uma banda tradicional do DF, conduziu blocos como a Baratona, a Baratinha, onde se apresentou nos últimos anos. Todas as bandas têm como referência o trabalho do Trem das Cores”, acrescentou Cacá.
Cacá lembra que a primeira vez que foi conquistado pela Banda foi no Verão Cultural do Park Shopping, em 1989 ou 1990, realizada na praça central do shopping. Depois desse show, o músico foi em todos os demais, inclusive quando a banda fazia apresentações com o Trio Elétrico Trem das Cores em cidades do DF.
“Toda as vezes que eu podia acompanhava o Trem das Cores”, lembrou Cacá reforçando que Mano e a banda disseminaram a Cultura descentralizando assim do Plano Piloto para as cidades satélites, sendo o precursor e quebrando barreiras desde os anos 90. Eles tinham um projeto que trio ia na periferia, nas cidades satélites. Já lá atrás, eles faziam o que os governos querem, que é descentralizar a Cultura. Ele levava e estimulava a Cultura onde o povo estava”, pontuou.
Importância para a música e a Cultura do DF
Cacá entende que a importância de Mano para a Cultura foi cumprir o papel de realmente ser um promotor cultural desde os anos 90, descentralizando a Cultura, fomentando a cultura nas cidades satélites. Além disso, a banda introduziu o Axé Music no DF, na época em que Brasília era a “Capital do Rock”, quebrando preconceitos, barreiras. “Nos últimos anos eu e ele, nos falávamos muito, protocolávamos ofícios sempre na Secretaria de Cultura e no Palácio do Buriti, solicitando a descentralização da folia momesca.”
“A culpa disso é a concentração. Causa outros problemas, além da concentração de público num mesmo local, como a violência, a desigualdade social fica explícita. Levar o jovem da periferia para o Plano Piloto onde encontram os jovens da classe A com os da classe C o confronto social é explícito, como são gerados os problemas de violência no carnaval no Plano.”
Cacá, Lorinrossevelt e Mano, "após protocolarmos ofício na Secretaria de Cultura do DF em 2019, solicitando a descentralização da Folia Monesca no DF"
Para ele, se o carnaval é feito na periferia o jovem de Ceilândia fica em Ceilândia, e o jovem de Planaltina também faz o mesmo.
“Ele não precisa pegar ônibus lotado, ter problemas se beber não poder dirigir, se o carnaval é realizado na periferia, o jovem vai a pé, de ônibus, de bicicleta, do jeito que for, vai e volta com tranquilidade, com segurança da sua cidade, conhece os pontos vulneráveis da sua cidade, sem contar que não demonstra a desigualdade social. O Mano, no passado, fazia o Carnaval na periferia, nas cidades e nos últimos anos comigo e outros sempre solicitamos a descentralização do Carnaval.”
Esse ano não teve carnaval em decorrência da pandemia do Covid-19, no ano passado houve uma atividade na Funarte e no primeiro ano do Governo Ibaneis Rocha foi feito o carnaval pelo edital assinado pelo ex-governador Rodrigo Rollemberg. Ou seja, Ibaneis teve que engolir o que já estava programado. “Quais as heranças do governo Agnelo e Rollemberg, centralizar o carnaval no Plano Piloto. E o governo Ibaneis não teve condições de fazer carnaval. Nos anos passados Rollemberg ignorou dois anos consecutivos de protocolos e os dois ignoraram.
O músico lembra que não esperava que Rollemberg não fosse fomentar o carnaval do DF, pois ele já havia sido secretário de Turismo, mas frustrou todas as expectativas, não realizando ações no sentido de descentralizar o carnaval no DF. “Enquanto secretário ele fez o carnaval na periferia e enquanto governador ele centralizou”, lamentou Cacá.
Já a secretaria de Cultura do atual governo Ibaneis tem atuado de forma excepcional em meio a um período de pandemia do Covid.
“Essa atual gestão do Ibaneis, ela está fazendo mais do que pode dentro do possível. Estão fazendo um milagre dentro da pandemia. Ibaneis assumiu em dezembro de 2019 para 2020, pegou 2020, acabou o carnaval, começou a pandemia. Mesmo diante de uma pandemia, de todas as restrições, de tudo, eles lançaram um monte de editais. A secretaria fomentou mais de R$ 40 milhões. Ela fez a parte dela.”
Ele ressalta que o que foi feito pela Secretaria de Cultura é insuficiente para a demanda do DF. Fez o que dava para se fazer na medida do possível com profissionais e gestores que eles têm à disposição. Dentro da condição de trabalhar online, acesso remoto, eles fizeram o que podiam fazer de melhor. “A gestão é eficiente, só que a demanda é muito maior.”
“O Bartolomeu está dando aula, está fazendo, fico de cara com a quantidade de editais que eles lançaram, do que eles fazem em meio à pandemia. Não é fácil e eles estão fazendo milagre uma revolução na Cultura. Diferente do que foi feito de 2011 a 2018. Você viu eles não pagarem FAC, lançar edital e depois deixaram de pagar. No último ano do Agnelo ele deixou R$ 40 milhões sem pagar, deixando os artistas se lascarem. E o atual governo com toda essa pandemia está fazendo mais do que os antecessores fizeram.”
Desde 2011, as Administrações Regionais não têm tido interesse em fazer qualquer tipo fomento. Toda a questão Cultura é via Secretaria de Cultura, segundo Cacá, o gerente de Cultura nas administrações não trabalham e se transformaram em cabides de emprego. Se trabalhassem iriam desafogar o trabalho que a Secretaria de Cultura tem.
“Mas os administradores, não sei se é preguiça, se é medo, eu sei que desde 2011 evitam realizar termo de fomento. Se a Secretaria de Cultura não se movimentar não tem atividade de cultural na cidade.”
Irmão do Mano
O irmão de Mano, Paulinho Moreno, em entrevista ao Tudo Ok Notícias informou que o DNA da música veio do pai, que era músico e desde pequenos, brincando, começou do nada. Então, mais tarde, surgiu a oportunidade de criar uma banda. ”
Cacá, Mano, Paulinho e Miguel Santos, no Backstage do Palco Brasília 60 - Polo FUNARTE
“A princípio começamos tocando Massa Real, com o Reco do Bandolim, e então montamos uma banda que era Trem das Cores. Como a gente tinha muito a ver como Nordeste, minha mãe era nordestina, nasceu em Brasília, mas o resto era tudo nordestino. Gostávamos muito do Axé da Bahia. A gente começou do nada de uma brincadeira chegou onde chegou. O início ocorreu em 1983 ou 1984.”
Música de Caetano inspiradora
O nome Trem das Cores surgiu da canção de Caetano Veloso, porque “a gente visualizava aquela ideia de viagem”.
Questionado sobre qual é o diferencial da banda Trem das Cores é familiar, “bem família mesmo, bem enraizada na família, todo mundo que tocava com a gente era família, não tinha um melhor do que o outro, lá em casa minha mãe tratava todo mundo igual, era tudo filho, até os músicos.
Paulinho informou que até hoje a banda mantém a raiz familiar. Paulinho toca guitarra, Mano tocava a bateria, Fernando, seu filho, hoje toca bateria, Valber é o baixista, Adriana, esposa, é vocal e a percussão ficava por conta de músicos que se eram agregados, e no teclado, Bob. Antes quem tocava teclado era o Tido, outro irmão. A base era nós cinco.
Paulinho lembra que o Trem das Cores acompanhou Armandinho, Dodô e Osmar, momento marcante para a banda, na Bahia, “abriu bloco lá também, fizemos muita coisa”.
“Fizemos uma história aqui. Conseguimos trazer a força da Axé Music, tocávamos todos os finais de semana, em todos os lugares. A gente tinha um projeto chamado “Projeto Satélite de Arte e Cultura” e tocávamos em todas as cidades, com convidados da cidade, artistas que não tinham condições de tocar e a gente chamava para cima do palco em cima do trio e a gente encerrava. Infelizmente, em Brasília, ela não faz as coisas, não tem esse hábito de filhos de casa terem sucesso, sempre aos trancos e barrancos com muita dificuldade. Recebi um texto do senhor Paulo Igino da Bratona, da Baratinha, quarenta anos de trabalho com reconhecimento.
Paulinho Moreno, ainda sob o efeito da perda do irmão em consequência do Covid-19, aos 60 anos, contou que a filha dele, que trabalha com produção, coleta material para fazer um documentário que contará a história do trio, que foi importante para a cultura da cidade.
Cacá Silva postou no Facebook a seguinte mensagem:
A MÚSICA no Distrito Federal está de LUTO!!!
Lamento informou que o Mano, baterista da Banda Trem das Cores faleceu na noite de ontem.
Que DEUS conforte os familiares, amigos e fãs!
Perdemos um amigo e guerreiro, um profissional que lutou em prol do coletivo, em prol do Carnaval de Rua de Brasília.
Ele é um dos percursores da Axé Music no DF junto com a sua banda Trem das Cores.
Cumpriu com louvor sua missão!!!!