Lula abre o cofre, mas leva rasteira do Congresso

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Foto: Divulgação/Ricardo Stuckert

 

 

Derrota no Congresso, liberação bilionária e sinal de alerta para o Planalto

Na semana em que sofreu sua mais significativa derrota no Congresso Nacional desde o início do mandato, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) viu o Palácio do Planalto acionar uma das ferramentas mais tradicionais da política brasileira: a liberação de R$ 1,15 bilhão em emendas parlamentares. O gesto, que deveria conter a insatisfação crescente da base aliada, revelou-se insuficiente para conter a rebelião legislativa — e escancarou a fragilidade da articulação política do governo.

O registro da liberação, feito no Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), cobre os dias entre 23 e 25 de junho, exatamente o período em que Câmara e Senado derrubaram o decreto presidencial que aumentava o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) — medida pensada pelo Ministério da Fazenda para ampliar a arrecadação e cumprir a meta fiscal. Foi a primeira vez desde 1992, ainda na era Collor, que um decreto presidencial foi rejeitado pelo Legislativo.

A simbologia do gesto não passou despercebida. A derrota por 383 votos a 98 explicitou o esfacelamento do apoio político e levantou comparações com o desgaste sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff nos meses que antecederam o impeachment.

Articulação em xeque e liberação sob pressão

A liberação bilionária de emendas ocorreu após semanas de cobrança intensa por parte de parlamentares, que criticavam a morosidade do governo na execução do orçamento impositivo. Até então, apenas R$ 776 milhões haviam sido liberados em 2025, valor considerado tímido diante da expectativa da base.

Internamente, o governo enfrenta ainda a desconfiança de que o ministro do STF, Flávio Dino, ex-integrante do governo Lula, atua nos bastidores da Corte numa espécie de cruzada para exigir transparência na distribuição das emendas. A insatisfação com a crescente judicialização da política também foi citada como uma das razões para a ação conjunta dos presidentes do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), na derrubada do decreto.

O episódio escancarou não apenas falhas de articulação por parte do ministro Fernando Haddad (Fazenda), mas também a fragilidade estrutural da base governista, que parece atuar mais sob pressão do que por alinhamento político-ideológico.

Comparações com Dilma: o espectro do passado

As semelhanças com o fim do governo Dilma Rousseff, embora ainda distantes em termos de gravidade, são inevitáveis. Em março de 2016, Dilma também tentou contornar a crise liberando emendas — R$ 70 milhões na ocasião —, enquanto cortava bilhões em áreas sensíveis como Saúde e Educação. O gesto, porém, foi recebido com ceticismo e precipitou o desembarque de partidos como PMDB, PP e PSD do governo.

A diferença, por ora, é que Lula ainda mantém algum capital político e rejeição popular mais branda. Contudo, a votação desta semana acendeu o primeiro sinal claro de distanciamento entre o presidente da República e as lideranças do Centrão, que têm sido pilar de estabilidade para o Planalto.

“Lula não enfrentava esse tipo de desgaste em seus mandatos anteriores. O PT tinha mais força, e as alianças eram mais sólidas. Hoje, o cenário é outro”, avaliou o cientista político Carlos Melo, do Insper.

Judicialização à vista

Diante da derrota, o governo acionou a Advocacia-Geral da União (AGU) para avaliar se a decisão do Congresso violou a autonomia entre os Poderes — uma tentativa de abrir caminho para judicializar a questão no Supremo Tribunal Federal (STF). A estratégia, no entanto, pode aprofundar ainda mais o desconforto entre Executivo e Legislativo, colocando o Judiciário no centro de uma disputa que deveria ser resolvida politicamente.

Em suma, a liberação bilionária não bastou para conter a insatisfação da base, nem para evitar o desgaste público. O gesto tardio e reativo do governo foi interpretado mais como um sinal de fraqueza do que de liderança. E, embora não haja hoje um cenário imediato de ruptura institucional, o recado do Congresso foi claro: sem articulação firme e diálogo efetivo, nem mesmo a abertura da “carteira” será suficiente para evitar novas derrotas.

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