Lei do Rol de Planos de Saúde enfrenta desafios e aumento de reclamações

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© Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

Oito meses após vigência da lei, disputas persistem e usuários buscam na Justiça cobertura negada pelos planos

 

 

A Lei 14.454/22, conhecida como Lei do Rol, completou oito meses de vigência em maio. Essa lei foi uma resposta do Congresso Nacional à decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) era taxativo, ou seja, deveria cobrir apenas os procedimentos e eventos de saúde contidos em uma lista determinada pela agência reguladora. Com a aprovação da lei, o rol voltou a ser exemplificativo, servindo como base para a cobertura de assistência médica e odontológica no país. Os planos de saúde são obrigados a cobrir procedimentos não listados, desde que haja comprovação científica e indicação médica.

 

No entanto, mesmo com a nova lei, o cenário de disputas entre os usuários e as operadoras de planos de saúde não mudou. Um levantamento realizado pelo escritório Silva Nunes Advogados, especializado em Direito Médico, revelou que as reclamações dos clientes de planos de saúde estão aumentando. Os dados foram obtidos por meio do Índice Geral de Reclamações (IGR) da ANS, que mede a satisfação dos serviços prestados pelas operadoras de planos de saúde aos beneficiários.

 

O IGR do setor médico-hospitalar aumentou nos últimos anos, passando de 15,5 em 2018 para 43,3 em 2023 (considerando os meses de janeiro, fevereiro e março). A maioria das reclamações está relacionada a questões de cobertura. Apesar de a ANS disponibilizar publicamente o IGR, a agência tem se esquivado da responsabilidade de fiscalizar o cumprimento da Lei do Rol, alegando que o texto não a atribui a função de regulamentar os critérios estabelecidos para coberturas for a do rol.

 

A advogada Mérces da Silva Nunes, sócia do escritório Silva Nunes e especialista em Direito Médico, argumenta que a ANS tem competência para regulamentar tais critérios, com base no artigo 4º, III, da Lei 9.961/2000, que atribui à agência a elaboração do rol e suas excepcionalidades.

 

O levantamento também aponta os estados com os maiores índices de reclamações, sendo eles: Roraima, Amapá, Acre, Bahia e Sergipe. O Rio de Janeiro ocupa o 8º lugar no IGR 2022, e São Paulo ocupa o 10º lugar. Quanto às operadoras de planos de saúde com os maiores índices de reclamações, o ranking mais recente disponibilizado pela ANS mostra as dez primeiras colocadas.

 

De acordo com Mérces Nunes, o caminho para o consumidor que enfrenta negativas de cobertura continua sendo buscar a via judicial. Caso haja negativa indevida de cobertura de medicamento, tratamento ou procedimento pelo plano de saúde, e os requisitos da Lei 14.454/22 forem atendidos, o consumidor deve entrar com uma ação judicial para buscar a cobertura.

 

Um outro levantamento realizado pelo escritório Silva Nunes Advogados revelou que, durante os meses de março e abril de 2023, o Tribunal de Justiça de São Paulo registrou 310 decisões relacionadas ao rol dos planos de saúde. Dessas decisões, 294 foram favoráveis aos usuários e apenas 16 a favor dos planos de saúde. Nas decisões favoráveis aos usuários, os magistrados consideraram o rol exemplificativo, citando a Lei 14.454/22 e o Código de Defesa do Consumidor como referências. As decisões envolvem casos como fornecimento de medicamentos, cobertura de tratamentos para autismo, tratamentos oncológicos, exames genéticos e assistência domiciliar, entre outros.

A Lei 14.454/22 não estabelece de forma objetiva quais órgãos ou estudos devem ser considerados como referência para a cobertura de tratamentos e medicamentos. Mérces Nunes defende que a indicação de agências de renome internacional seria suficiente para embasar as coberturas. Ela menciona as agências NICE (Reino Unido), CADTH (Canadá), PBA (Austrália) e SMC (Escócia), reconhecidas pela ANS nos processos de atualização do Rol, como possíveis referências.

 

Cabe ressaltar que há uma ação em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), movida pela União Nacional das Instituições de Autogestão em Saúde (Unidas), que busca a análise da constitucionalidade da Lei 14.454/22. A Unidas alega que a lei viola o caráter complementar da assistência à saúde exercida pela iniciativa privada, pois exigir das operadoras de planos de saúde a cobertura de tratamentos médicos não previstos no rol da ANS significa impor a elas uma obrigação maior do que a imposta ao Sistema Único de Saúde.

 

Mérces Nunes destaca que o Procurador-Geral da República manifestou-se a favor da constitucionalidade da lei, defendendo que as operadoras de planos de saúde devem arcar integralmente com as obrigações assumidas, considerando o caráter público da atividade e os princípios e valores da ordem econômica. Ela acredita que a previsão de cobertura excepcional não afeta o poder regulatório da ANS, uma vez que a agência ainda é responsável por definir e atualizar o rol de procedimentos. No entanto, a decisão do STF e uma eventual modulação dos efeitos do julgamento ainda são incógnitas.

 

Em resumo, a Lei do Rol, que tornou o rol da ANS exemplificativo, não conseguiu resolver as disputas entre os usuários e as operadoras de planos de saúde. As reclamações continuam aumentando, e muitos consumidores ainda precisam recorrer à via judicial para obter a cobertura de tratamentos e procedimentos negados pelos planos. O tema está em discussão no STF, e a constitucionalidade da lei ainda será analisada.

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