Com 67 milhões de usuários, mercado de games acelera no País. No mundo, 2,6 bilhões de jogadores movimentam quase R$ 1 trilhão por ano
Enquanto o relógio não chega às duas da tarde, o empresário Alessandro Antóquio participa de reuniões de negócios, conversa com investidores, discute contratos e atende clientes. Sua principal jornada de trabalho, porém, sequer começou. É apenas depois do almoço que ele vai até uma sala da sua casa, senta-se em frente a várias telas de computador e inicia sua transmissão diária — onde passa, em média, oito horas seguidas jogando games diversos, como “Call of Duty” e “Counter Strike”, e interagindo com seu público virtual. Ali, sua identidade é outra: sai o Alessandro e entra “TheDarkness”, um dos gamers mais famosos do Brasil, que reúne cerca de 643 mil seguidores só no seu canal na Twitch, a principal plataforma de transmissão de jogos on-line do mundo. Enquanto atira em inimigos ou disputa partidas de vôlei, diversas marcas são citadas por ele ou aparecem na tela — desde uma fabricante de peças para notebooks até uma marca de café. Além dessas receitas, “TheDarkness” também faz dinheiro fornecendo acessos exclusivos aos seguidores do canal ou pedindo doações espontâneas. “É muito mais do que videogame. É uma conversa constante com todo tipo de gente que se reúne comigo para participar de uma mesma história”, explica.
Se já era um fenômeno mundial até 2019, a chegada da Covid-19 acelerou ainda mais o mercado de games. Segundo a consultoria internacional Newzoo, o número de pessoas jogando regularmente em consoles, celulares ou computadores subiu 5,4% entre 2019 e 2020, chegando à marca de 2,69 bilhões de usuários no planeta. Com tanta gente, cresceu também o volume de dinheiro que esse universo faz circular: no ano passado, esse montante foi de US$ 159,3 bilhões (R$ 830,8 bilhões) — maior do que o PIB de países como Angola (US$ 122 bi) e Ucrânia (US$ 112 bi). No Brasil, a expansão é ainda mais significativa: em 2020, a quantidade de transações via cartões de crédito em plataformas de jogos on-line subiu 140% em relação ao ano anterior, segundo a Visa. “Esses consumidores passaram a comprar muito mais jogos durante os meses da pandemia”, explica Oscar Pettezzoni, diretor da empresa. O dado é corroborado pela recente pesquisa Game Brasil 2021: ela mostrou que sete em cada dez (76%) brasileiros passaram mais tempo jogando em 2020 — desses, 42% disseram ainda que gastaram mais dinheiro com games em meio à quarentena. Na metade do ano passado, uma pesquisa do Datafolha mostrou que o País tinha 67 milhões de gamers ativos — ou 38% da população.
Mas o fenômeno não se explica só pela pandemia, segundo Beto Vides, sócio-fundador da agência eBrainz, especializada no setor. “Esse mercado não para de crescer porque ele oferece um conteúdo muito mais ativo e dinâmico do que o dos seus concorrentes”, analisa. “Enquanto os esportes tradicionais, como o futebol, por exemplo, têm muita dificuldade em apresentar novidades, os games estão mudando o tempo todo — e isso está acontecendo em uma era que demanda e processa informações muito rapidamente”, completa. Para “TheDarkness”, o fenômeno dos games também tem a ver com a posição de quem joga. “O gamer está sempre no controle. Ele decide o que acontece, quem age, até mesmo o enredo da história”, reflete. Essa é uma vantagem significativa em relação a outras telas, como a TV, por exemplo. “Com uma oferta cada vez maior de conteúdos disponíveis, cabe às pessoas apenas a escolha de quais elas querem consumir”, diz ele. É uma explicação para o fato de o mercado de games ser muito superior ao de audiovisual (US$ 80,8 bilhões), segundo a Motion Picture Association, e de música (US$ 21,6 bilhões), de acordo com o Global Music Report.
O gamer como consumidor
Gigantes mundiais do entretenimento já estão atentos a esse movimento. A Netflix pretende disponibilizar games em seu catálogo a partir do ano que vem, enquanto a Amazon trabalha em duas frentes: em uma plataforma de streaming dentro do serviço por assinatura e na produção de seus próprios jogos, como o Crucible, lançado no ano passado. No mercado brasileiro, a última grande bomba no setor foi de outra ordem: a compra do KaBuM!, maior e-commerce de jogos do País, pelo Magalu, em um negócio que vai chegar a R$ 3,5 bilhões e que permitirá à empresa entrar de cabeça no varejo gamer. O Brasil também possui uma das maiores produtoras de jogos para celular do mundo: a Wildlife, que passou a valer R$ 3 bilhões em agosto do ano passado. “Foi-se o tempo que o gamer era visto como aquela pessoa que ficava trancada no quarto jogando. Hoje ele é um consumidor relevante — e o mercado já notou isso”, afirma Vides, da eBrainz. Sem contar que já há mais gente consumindo games do que assistindo filmes. “As marcas estão procurando formas de conversar com esse público que preenche brechas de tempo do dia a dia assistindo streamings ou mesmo jogando”, completa “TheDarkness”.

É por isso, inclusive, que a maior parte do mercado hoje está nos dispositivos móveis. “A própria expansão dos jogos se explica também pelo crescimento do número de aparelhos com acesso à Internet no Brasil”, analisa Beto Vides. Segundo o IBGE, há 424 milhões de dispositivos digitais no País atualmente — dois por pessoa. Segundo a pesquisa Game Brasil, 41% dos gamers brasileiros jogam pelo smartphone — essa taxa é de 40% no mundo todo. Para “ThaDarkness”, com tanta gente, tanto dinheiro e uma produção de títulos em escalas cada vez maiores, o próximo passo está perto de acontecer. “Acredito que nós estaremos já na próxima Olimpíada”, aposta. IstoÉ