O brutalismo do concreto, de acordo com o escritor inglês Theodore Dalrymple,parece desenhado para humilhar, rebaixar e confundir qualquer ser humano infeliz o suficiente para tentar encontrar um caminho dentro dele.
O desabamento do viaduto da Galeria dos Estados, no Eixão de Brasília, abre o debate sobre as responsabilidades dos governos Agnelo e Rollemberg e as amarras impostas pela ideia de que a cidade é herança das famílias Niemeyer e Lúcio Costa.
Nunca entendi, a não ser por consideração histórica, essa necessidade de consultar Niemeyer, quando vivo, e depois a família dele, sempre que é preciso fazer alguma mudança para adaptar Brasília aos tempos atuais.
É verdade que há as limitações do tombamento, prevalecendo a concepção totalitária de que as pessoas pertencem ao espaço e não o contrário.
Em debate recente sobre a retirada das grades do Cruzeiro Novo, uma especialista em tombamento disse que as pessoas precisavam entender que elas pertenciam à quadra e não esta aos moradores. O ser humano, por esse prisma, torna-se um nada, um inseto ante à grandiosidade da obra.
A opressão do concreto armado, cuja utilização é inspirada em Le Corbusier, a quem a maioria dos arquitetos reverencia, resulta em obras que se deterioram em pouco tempo. O brutalismo do concreto, de acordo com o escritor inglês Theodore Dalrymple,parece desenhado para humilhar, rebaixar e confundir qualquer ser humano infeliz o suficiente para tentar encontrar um caminho dentro dele.
Autor de várias obras polêmicas, como Nossa Cultura e A vida na sarjeta, Darlrymple classifica como horrorosa e opressiva a arquitetura em discussão.
Ele diz que escrever sobre Le Corbusier frequentemente começa com algo sobre sua importância, como: ´ele foi o arquiteto mais importante do século XX´. “Admiradores podem concordar com esse julgamento, mas sua importância é, claro, moralmente e esteticamente ambígua. Afinal de contas, Lênin foi um dos mais influentes políticos do século XX, mas a sua influência para a história, não os seus méritos, é que o tornaram assim: como Le Corbusier. Assim como Lênin ainda é reverenciado após toda a sua monstruosidade e isso é óbvio para todos, da mesma forma Le Corbusier continua a ser reverenciado. Na verdade, existem forças que retomam a adulação. Nicholas Fox Weber acaba de publicar uma biografia laudatória e exaustiva, e a Phaidon publicou um livro enorme e muito caro devotado ao trabalho de Le Corbusier. Ainda foi apresentada uma exibição hagiográfica sobre o arquiteto em Londres e Rotterdam. Em Londres, a exibição aconteceu em um complexo de edifícios hediondos, construídos na década de 1960, chamados Barbican, cujo brutalismo no concreto parece desenhado para humilhar, rebaixar e confundir qualquer ser humano infeliz o suficiente para tentar encontrar um caminho dentro dele. Barbican não foi desenhado por Le Corbusier, mas com certeza foi inspirado por seu estilo particular de arquitetura desalmada”.
Ele conta que, durante a exibição, conversou com duas madames que aparentemente gastam suas tardes em exibições. “Maravilhoso, não acha?”, uma delas disse a ele, a quem respondeu: “Monstruoso!” “Ambas arregalaram os olhos como se eu acabasse de negar Allah em plena Mecca. Se a maioria dos arquitetos reverencia Le Corbusier, quem somos nós, meros leigos, meros humanos esmagados por seus edifícios, que não sabemos nada dos problemas da construção civil, para criticá-lo? Aquecendo para meu tema, falei dos horrores do material favorito de Le Corbusier, concreto armado, que não envelhece graciosamente, mas com trincas, manchas e danos. Um único edifício dele, ou algum inspirado por ele, poderia arruinar a harmonia de toda uma cidade, insisti. Um edifício corbusiano é incompatível com qualquer coisa, exceto ele próprio”.
Aproveitando esse engessamento, os governantes recentes, mesmo sabendo dos problemas de riscos de desabamento das estruturas expostas e trincadas, nada fizeram. Preferiram confiar na perfeição apregoada pela ideia totalitária, como se a ilha da fantasia, intocada, nunca viesse abaixo.
Ainda há tempo de salvar Brasília!
*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista e escritor.