Arquivamento do inquérito contra Ibaneis Rocha revela falhas no processo judicial e excessos do STF, revela editorial da Folha de São Paulo
Dois anos depois, o inquérito que investigava o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), por suposto envolvimento nos ataques às sedes dos Poderes em 8 de janeiro de 2023 foi arquivado. A decisão, assinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), levanta questões que vão além do caso específico e tocam no papel do Judiciário na preservação das garantias democráticas.
Em circunstâncias comuns, o arquivamento de um inquérito não seria mais que um procedimento técnico. Contudo, o caso de Ibaneis Rocha envolveu um elemento extra que mereceria uma reflexão mais aprofundada. Não se tratou de uma simples investigação, mas de uma medida extrema: o afastamento do governador de seu cargo por mais de dois meses, uma ação que, por sua natureza, afeta diretamente o equilíbrio entre os Poderes.
A decisão de afastar Ibaneis, baseada na premissa de que ele poderia destruir provas e prejudicar a investigação, levanta sérias questões sobre o alcance do Judiciário em ações que envolvem chefes do Executivo. O afastamento de um governante não pode ser tomado levianamente. Exige-se, no mínimo, evidências substanciais de que sua permanência no cargo comprometeria o processo de investigação ou de apuração de um crime. No entanto, como revela o relatório do procurador-geral da República, Paulo Gonet, não havia provas concretas de que o governador estivesse envolvido em práticas criminosas ou que tivesse tentado obstruir a investigação.
O arquivamento do inquérito, portanto, expõe uma decisão contraditória: se não havia evidências que justificassem a investigação, o que motivou o afastamento tão drástico do cargo? Mais ainda, a decisão foi tomada sem a devida solicitação formal para tanto, fundamentada em uma ação que apenas pedia a prisão de outros envolvidos, não de Ibaneis. A argumentação de Moraes de que o afastamento seria uma alternativa menos gravosa que a prisão carece de um exame mais profundo, já que nenhum pedido de prisão foi formulado para o governador.
Além disso, o fato de Moraes ter tomado a decisão sem consultar o colegiado do STF, buscando o referendo apenas posteriormente de forma virtual, levanta outro ponto crítico. Decisões de tamanha magnitude, especialmente em contextos de grande repercussão política, devem ser tomadas de forma coletiva, com a participação ativa de todos os ministros, em plenário físico. A ausência de um debate mais amplo enfraquece a legitimidade de uma medida tão impactante.
Mais do que uma análise jurídica, o caso aponta para um risco crescente de enfraquecimento das garantias processuais e da própria democracia. Ao ultrapassar limites processuais, a Corte corre o risco de minar a confiança da população nas instituições, que devem se sustentar em princípios de justiça e proporcionalidade. A ação de Moraes, ao parecer autoritária e sem a fundamentação adequada, pode acabar enfraquecendo a própria democracia que se pretende defender.
O arquivamento do inquérito deve ser visto como uma oportunidade para um exame mais profundo das práticas adotadas pelo STF, especialmente quando se trata de ações que envolvem figuras políticas e suas funções constitucionais. O equilíbrio entre os Poderes é essencial para a estabilidade e a preservação do Estado de Direito. No caso de Ibaneis Rocha, o Judiciário agiu de forma precipitada, e a lição que fica é a de que, para defender a democracia, é necessário primeiro respeitar os direitos fundamentais de todos os cidadãos, incluindo os de quem ocupa cargos públicos.
Com informações Folha de São Paulo