Alertas e negligências, a dupla que causa incêndios de sempre voltou a atacar. Desta vez foi o hospital federal de Bonsucesso, no Rio de Janeiro. Qual será o próximo “desastre”. Relatório da Defensoria Pública da União (DPU) do ano passado alertava para problemas na estrutura de combate a incêndios na unidade. Vários equipamentos foram apontados pelos especialistas como obsoletos e oferecendo risco de curto-circuito e ameaçando a vida dos operadores.
O Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio, que pegou fogo na manhã desta terça-feira (27), chegou a ser anunciado como unidade federal de referência no tratamento de pacientes com Covid-19 na cidade. Duas pacientes que estavam internadas com a doença morreram ao ser transferidas durante o incêndio.
A primeira, Núbia Rodrigues, de 42 anos, era radiologista em outra unidade e havia sido internada com sintomas da doença há poucos dias, após passar por atendimento em duas UPAs. Ela não resistiu à transferência para o Hospital municipal Ronaldo Gazolla.
A segunda vítima confirmada da tragédia, uma senhora que teria 83 anos, também tinha diagnóstico de coronavírus. Transferida para o CTI da maternidade do hospital, ela também acabou morrendo, com uma infecção pulmonar.
Um dos blocos da unidade foi adaptado para receber os pacientes que precisassem de internação. Seriam de 150 a 200 leitos. O projeto, no entanto, não foi adiante por falta de pessoal.
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Fumaça de incêndio no Hospital Federal de Bonsucesso, na Zona Norte do Rio — Foto: Reprodução/ GloboNews
O hospital, que tem mais de 70 anos de existência, é um dos mais importantes do Rio e tem enfrentado problemas no atendimento nos últimos anos. Um relatório da Defensoria Pública da União (DPU) do ano passado alertava para problemas na estrutura de combate a incêndios na unidade.
As causas do incêndio desta terça estão sendo analisadas e não se sabe se as chamas possuem alguma relação com os problemas apresentados pelo documento.
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Transformador da subestação principal de energia do Hospital Federal de Bonsucesso, no Rio, que registrou superaquecimento em avaliação — Foto: Reprodução
O relatório apontava hidrantes desativados, com mangueiras danificadas e sem qualificação para uso. O documento apontava também um alto risco de explosão e inoperância do sistema elétrico
Ainda segundo o documento, durante a vistoria, o transformador da subestação principal registrou um superaquecimento a 148,6ºC, indicando um alto risco de explosão e inoperância do equipamento e risco para a vida dos operadores. Outro transformador também registrou temperatura de 128,6ºC. Também foram encontrados geradores que não atendiam as normas e que ofereciam risco de incêndio.
Vários equipamentos foram apontados pelos especialistas como obsoletos e oferecendo risco de curto-circuito e ameaçando a vida dos operadores.
O G1 entrou em contato com o HFB, mas ainda não obteve resposta se alguma medida foi tomada em relação aos problemas apontados no documento.
O comandante-geral do Corpo de Bombeiros do RJ, coronel Leandro Monteiro, afirmou que a unidade não possui certificação de aprovação da corporação. Segundo Leandro Monteiro, o hospital tem duas notificações e dois autos de infração e não tem certificado de aprovação dos bombeiros.
“O hospital possui duas notificações e dois autos de infração junto a corporação. É muito difícil, quase impossível, interditarmos um hospital com aproximadamente 600 leitos”, destacou o comandante-geral.
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Quadro de força do Hospital Federal de Bonsucesso considerado obsoleto e que ofereceria risco para os operadores, segundo relatório — Foto: Reprodução
Fogo no subsolo
Segundo a direção da unidade, o fogo começou no subsolo do Prédio 1 por volta das 9h45 e se alastrou pelo almoxarifado, onde fraldas eram guardadas. Nesse edifício ficam ainda enfermarias e salas de raio-X.
A brigada de incêndio do hospital chegou à enfermaria assim que as chamas começaram, dois andares abaixo, e providenciaram a remoção.
Mandetta diz que HFB deve atender pacientes de doenças que não estejam ligadas ao Covid-19
Pouco tempo depois do anúncio da unidade como referência no combate à Covid-19, em uma entrevista coletiva no dia oito de abril, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, assumiu que os hospitais federais do Rio de Janeiro não possuíam condições de atender os pacientes com coronavírus.
Ele reconheceu que faltavam médicos e disse que o hospital federal escolhido para virar referência não tinha condições de receber os pacientes e deveria ficar com outros atendimentos.
Mandetta reconheceu que concursos públicos não são feitos há anos e a mão de obra da unidade envelheceu.
Logo após as declarações do ministro, o Sindicato dos Médicos divulgou uma nota de repúdio sobre as condições dos hospitais federais no Rio.
A nota prestava solidariedade aos funcionários e aposentados da rede federal e diz que o sindicato iria estudar medidas jurídicas para reparar perdas e danos dos servidores.
O sucessor de Mandetta, Nelson Teich, chegou a vistoriar a unidade em uma visita ao Rio de Janeiro e se encontrou com a direção. No mesmo dia ele visitou os hospitais de campanha do Riocentro e do Maracanã.
Uma denúncia veiculada pelo Jornal Nacional ainda em abril mostrou que a unidade tinha leitos ociosos e alguns setores estavam vazios. O hospital prometeu 177 leitos, mas só 18 estava ocupados. Haviam salas com leitos vazios e respiradores.
Em maio, juíza federal Carmen Silvia Lima Arruda intimou o Ministério da Saúde a destituir a direção do Hospital Federal de Bonsucesso e disse que o hospital está sendo “omisso” durante a pandemia.
Ela cobrou a abertura de leitos nos seis hospitais federais do Rio. “Sequer foi realizada uma compra de teste de Covid”, criticou.