Falta de sustentação jurídica deslegitima a criminalização de conversas

Compartilhar:
Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram
[views count="1" print= "0"]
Foto: Gustavo Moreno/STF
[tta_listen_btn listen_text="Ouvir" pause_text="Pause" resume_text="Retomar" replay_text="Ouvir" start_text="Iniciar" stop_text="Parar"]

 

Por Carlos Arouck

O indiciamento de Jair Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Silas Malafaia, anunciado pela Polícia Federal em 20 de agosto de 2025, apresenta graves problemas jurídicos. A peça mistura desabafos privados, minutas sem efeito jurídico e movimentações financeiras rastreáveis para sustentar crimes como conspiração contra a democracia e lavagem de dinheiro. Sob análise técnica, o inquérito carece de tipicidade penal, proporcionalidade e respeito a precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal.

Um dos pilares da acusação é a utilização de conversas privadas entre Jair Bolsonaro, seu filho Eduardo e o pastor Silas Malafaia. A PF interpreta diálogos pessoais e políticos como provas de tentativa de golpe. Ocorre que o artigo 5º, incisos X e XII, da Constituição garante a inviolabilidade da intimidade e do sigilo de comunicações. O artigo 286 do Código Penal pune apenas a incitação direta e pública à prática de crime. Não se trata disso. No caso Lula, o STF, no julgamento do HC 164.493/PR, reconheceu a nulidade do uso de conversas privadas como prova, por entender que sua exploração violava garantias fundamentais. A contradição é evidente: o mesmo tribunal que declarou abusivo o uso de diálogos de Lula agora aceita que mensagens familiares de Bolsonaro sirvam como prova de golpe.

Outro ponto é a acusação de lavagem de dinheiro. De acordo com a Lei nº 9.613/1998, para haver lavagem é necessário comprovar três elementos: a origem ilícita dos recursos, um ato de ocultação ou dissimulação e a finalidade de reintegrar o dinheiro no sistema financeiro. Nenhum desses requisitos aparece de forma objetiva no relatório da PF. O documento destaca transferências de R$ 2,1 milhões de Jair para Eduardo Bolsonaro como suposta prova de financiamento ilícito. O próprio relatório do Coaf revela um fluxo de R$ 30,5 milhões em créditos e débitos entre 2023 e 2025, praticamente equilibrado e com origens lícitas: R$ 19,2 milhões em doações via PIX de apoiadores, R$ 8,7 milhões em resgates de CDBs e RDBs, R$ 291 mil em salários partidários pagos pelo PL, além de rendimentos de previdência e aplicações financeiras.

Esses valores foram movimentados em contas oficiais, declaradas e monitoradas, o que descaracteriza qualquer tentativa de ocultação. Em termos jurídicos, não basta que a PF considere as transações “atípicas”. É necessário provar que os recursos têm origem criminosa, o que não ocorreu. Sem essa demonstração, a acusação de lavagem perde consistência.

Casos específicos evidenciam a fragilidade da narrativa. O pagamento de R$ 700 mil a Carlos Bolsonaro foi inicialmente classificado como suspeito, mas tratava-se da compra de um apartamento registrada em cartório, sem irregularidade. Michelle Bolsonaro, acusada de movimentações atípicas, apenas recebeu valores de sua própria empresa, a MPB Business. São operações civis e empresariais legítimas, mas a PF preferiu interpretá-las como parte de um esquema.

O timing do indiciamento reforça a suspeita de uso político. A operação ocorreu às vésperas de manifestações de rua e poucos dias após os Estados Unidos aplicarem sanções ao ministro Alexandre de Moraes. O efeito foi imediato: fragilizar a oposição e blindar o Judiciário diante do desgaste internacional. Isso compromete o princípio da imparcialidade, previsto no artigo 37 da Constituição, que rege a atuação da administração pública.

O que se vê é a institucionalização do lawfare, o uso seletivo da lei para perseguir adversários, por meio do emprego de manobras jurídico-legais como instrumento de combate e intimidação para atingir um desafeto ou adversário. Conversas privadas são criminalizadas, transferências declaradas são transformadas em lavagem e minutas sem valor jurídico viram plano de golpe. A seletividade salta aos olhos. Quando os diálogos de Lula foram utilizados contra ele, o STF os desconsiderou. Quando os de Bolsonaro vêm à tona, são elevados a fundamento de denúncia. Trata-se de um claro exemplo do chamado “direito penal do inimigo”, conceito de Luigi Ferrajoli que alerta para os riscos de transformar opositores em inimigos a serem neutralizados, não em cidadãos com direitos garantidos.

O inquérito não demonstra origem ilícita de recursos, não apresenta provas de ocultação patrimonial e tampouco comprova um plano efetivo de abolição da ordem democrática. O que revela é a opção da PF por atuar como peça de um jogo político, em vez de cumprir seu papel de polícia investigativa. Juridicamente, o caso é insustentável; politicamente, cumpre sua função de manter Bolsonaro e seus aliados sob cerco constante. É, na prática, um inquérito sem base, sem equilíbrio e sem legitimidade.

Mais lidas

Casa de Chá do Senac apresenta cardápio co...
Memórias de Lobão iluminam a democracia br...
Estrebuchar é um direito
...