Por Carlos Arouck
A teoria da fabricação do consenso, formulada por Edward S. Herman e Noam Chomsky, descreve como atores estatais e não estatais, políticos, midiáticos e econômicos
moldam percepções sociais para legitimar decisões e consolidar estruturas hegemônicas. No Brasil de 2025, essa lógica se manifesta de forma clara através de três movimentos principais: a retórica da soberania nacional, o uso estratégico de pesquisas eleitorais e a construção de Jair Bolsonaro como inimigo simbólico da democracia.
O governo Lula tem investido fortemente na narrativa da soberania nacional como estratégia de unificação. Em 13 de agosto, ao lançar o Plano Brasil Soberano, que prevê R$ 30 bilhões em créditos para exportadores em resposta ao aumento de tarifas pelos Estados Unidos, o presidente declarou que “gostamos de negociar, mas a soberania é intocável”. Poucos dias antes, em discurso no Conselhão, afirmou que a independência dos três poderes é inegociável e que proteger recursos estratégicos, como terras raras, é fundamental para a soberania. Em meio às tensões com os EUA, Lula ainda publicou no X que o Brasil é “um país soberano” que rejeita tutela externa, enfatizando a autonomia das instituições. Esse conjunto de mensagens funciona como um escudo simbólico que legitima decisões governamentais perante a opinião pública e pressões internacionais, criando coesão mesmo entre setores que discordam em outros pontos.
As pesquisas eleitorais ou não, por sua vez, atuam como termômetros que moldam o clima político, mas com resultados tão dispersos que mais confundem do que esclarecem. Um levantamento da Paraná Pesquisas realizado entre 18 e 22 de junho mostrou Bolsonaro com 37% das intenções de voto contra 34% de Lula, dentro da margem de erro. No Distrito Federal, Bolsonaro liderava com 38,8% contra 24,9% de Lula. Já a AtlasIntel, em contrapartida, apontava Lula à frente nacionalmente, com vitória em todos os cenários de segundo turno. Essa volatilidade, agravada por críticas metodológicas sobre amostras e questionários, transforma as pesquisas em ferramentas de indução de opinião. Em vez de apenas refletirem a realidade, passam a construir percepções de inevitabilidade ou de ameaça, alimentando a disputa política.
Enquanto isso, Jair Bolsonaro enfrenta medidas judiciais severas que reforçam seu papel como inimigo simbólico. Em 18 de julho, o Supremo Tribunal Federal impôs restrições como uso de tornozeleira eletrônica, recolhimento noturno e proibição de uso de redes sociais. O descumprimento dessas medidas levou o ministro Alexandre de Moraes a decretar sua prisão domiciliar em 4 de agosto. Desde então, Bolsonaro permanece em casa, sem telefone, sem permissão para sair ou receber visitas, exceto de advogados e familiares. Seu julgamento, marcado para setembro, envolve acusações de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa e ataques ao Estado Democrático de Direito. Para parte da sociedade, ele representa a ameaça que justifica a atuação firme do Estado; para outra, um mártir de suposta perseguição política. Essa ambivalência intensifica a polarização e serve como catalisador das disputas narrativas.
A combinação desses elementos cria um consenso sustentado pela divisão. A retórica da soberania mobiliza apoio, as pesquisas moldam percepções e a figura de Bolsonaro concentra os conflitos. Com isso, o debate público se organiza em torno de símbolos que despertam emoções como medo, raiva ou esperança, enquanto problemas estruturais como inflação, desigualdade, instabilidade institucional e violência urbana ficam em segundo plano. O resultado é uma estabilidade aparente, que protege as elites ao manter a sociedade ocupada em disputas simbólicas.
As reações de setores externos amplificam ainda mais esse quadro. O cientista político André Singer, em entrevista à Folha de S.Paulo, afirmou que a retórica da soberania de Lula busca unificar a base em torno de um ideal abstrato, mas pode alienar setores pragmáticos que cobram resultados econômicos. Em sentido contrário, o deputado Eduardo Bolsonaro publicou no X que a prisão domiciliar de seu pai é “uma farsa judicial para calar a oposição e distrair o povo da crise econômica”. A imprensa tradicional também se divide: editoriais de veículos como O Globo defendem as ações do STF como necessárias à proteção da democracia, enquanto portais de direita, como Brasil Sem Medo, classificam as medidas como perseguição política orquestrada. Nas redes sociais, hashtags como #SoberaniaNacional e #BolsonaroPreso revelam a intensidade da disputa. Influenciadores digitais com centenas de milhares de seguidores reforçam a polarização, apresentando Bolsonaro ora como ameaça, ora como vítima.
Nesse cenário, a fabricação do consenso não busca reduzir conflitos, mas administrá-los. A soberania como bandeira unificadora, as pesquisas como moldadoras de percepção e Bolsonaro como inimigo comum produzem um campo de disputa controlado, no qual a polarização se torna funcional para a manutenção da ordem. As reações externas, da mídia aos usuários de redes sociais, apenas intensificam essa lógica, consolidando um sistema em que a divisão social é menos uma ameaça e mais um instrumento de poder.