O papel vital do fundo na garantia de recursos para a saúde e os impactos de sua possível redução
Em uma recente entrevista exclusiva, Fábio Gondim, especialista em finanças públicas, fala dos impactos do Arcabouço Fiscal no Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF) e na área da saúde da região. Gondim, atualmente atuando como Consultor Legislativo do Senado Federal, enfatizou a importância dessas questões para o desenvolvimento e o bem-estar dos cidadãos do Distrito Federal.
O FCDF é um mecanismo financeiro estabelecido pela Constituição Federal para garantir recursos financeiros necessários para o funcionamento adequado do Distrito Federal. O fundo é composto por uma parcela do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e do Imposto de Renda (IR), arrecadados pela União. Esses recursos são destinados a cobrir despesas essenciais do DF, como segurança pública, educação, saúde e transporte.
No entanto, Gondim destacou que o Arcabouço Fiscal, ou seja, o conjunto de leis, regras e normas que regem a gestão financeira e orçamentária do Distrito Federal, tem implicações significativas no financiamento adequado da saúde e em outras áreas importantes. Ele ressaltou a necessidade de uma revisão do arcabouço fiscal para garantir uma distribuição justa e equitativa dos recursos do FCDF, especialmente para a saúde.
TD – Qual a importância do Fundo Constitucional do Distrito Federal para a Saúde do DF?
Fábio – O fundo é imprescindível para a Saúde do DF. Veja, em 2003, quando o FCDF foi criado, foram destinados R$ 706 milhões para a Saúde. Esse valor correspondia a apenas 21% do valor total do fundo, que era de R$ 3,4 bilhões. De lá para cá, o fundo aumentou para R$ 23 bilhões e o percentual destinado à Saúde chegou aos 31% do total. Desse modo, o volume de recursos destinados à Saúde pelo FCDF, atualmente, corresponde a R$ 7,1 bilhões. Observe que o valor destinado à Saúde aumentou, portanto, em termos nominais, mais de dez vezes em vinte anos. Como consequência direta disso, atualmente, a maior parte dos recursos orçamentários da Saúde não vêm do Tesouro do Distrito Federal, mas, sim, do FCDF e se destina, na sua quase totalidade, ao pagamento de pessoal.
TD – Não seria melhor que a maior parte dos recursos fosse para investimentos?
Fábio – Sim e não. A carência por recursos é imensa, mas tanto despesas com investimentos quanto despesas com pessoal e custeio são muito necessárias. Quando um paciente vai a um posto de saúde, por exemplo, o pagamento do pessoal que o atende, do vigilante que faz a segurança, da manutenção dos equipamentos utilizados e das despesas com água, luz, internet etc., são todas despesas de pessoal e custeio. O investimento é, sim, muito necessário para ampliar a capacidade de atendimento à população, mas dificilmente será maior do que as despesas com pessoal e custeio.
TD – Que investimentos seriam necessários para melhorar a Saúde de Brasília?
FÁBIO – Se considerarmos o número de leitos preconizado pelas normas brasileiras, Brasília teria um déficit entre 3,5 mil leitos, para atender só a população de Brasília, e 7 mil leitos, para prestar assistência a toda a RIDE. Para suprir esse déficit, seria preciso, aí, sim, muito investimento, da ordem de R$ 6 bilhões. Repare que esse número considera um déficit de cerca de 5 mil leitos, ou seja, estaríamos no meio termo, atendendo parcialmente a população da RIDE seriam necessários muitos anos de investimento paulatino e bem planejado para oferecer maior qualidade assistencial para a população.
TD – É muito tempo com investimento para se alcançar a situação ideal?
FÁBIO – Mas isso não é tudo. Depois disso, as novas unidades de saúde deveriam ser colocadas em funcionamento, com a contratação de vigilância, limpeza, alimentação etc. Além disso, seria necessária a contratação de algo em torno de 18 mil novos profissionais de saúde. Com essas contratações, o aumento de despesa de pessoal, em valores atuais, seria da ordem de R$ 2,0 bilhões por ano, despesa paga, primordialmente, com recursos da União.
TD – Esses números não estão superdimensionados? O DF tem condições de investir tanto assim?
FÁBIO – Na verdade, estou sendo conservador nas estimativas. Provavelmente esses números serão ainda maiores. Olha, no orçamento para 2023 foram aprovados menos de R$ 100 mi para investimentos. No ritmo de investimentos que temos hoje, só chegaríamos a uma situação ideal em 60 anos! É preciso aumentar o ritmo de investimentos na Saúde do DF com máxima urgência, mas também é preciso compreender que esse investimento será acompanhado do aumento das despesas de pessoal, que, hoje, são suportadas, em grande parte, pelo FCDF.
TD – O que aconteceu em relação ao Fundo no texto do Arcabouço Fiscal?
FÁBIO – Nos estudos que embasaram o projeto de lei do Arcabouço Fiscal, as despesas com pessoal da Segurança, Educação e Saúde do Distrito Federal são consideradas despesas da União e, por isso, explicam os defensores dessa tese, deveriam ser submetidas ao teto e aos limites da receita corrente líquida. Na verdade, o que deveria ser proposto seria uma mudança legislativa do FCDF para que ele passasse a ser enquadrado como uma repartição de receitas da União, com a destinação direta das receitas para os cofres do Distrito Federal. Essa medida anularia qualquer dos argumentos apresentados até agora, mas, curiosamente, isso não foi objeto de proposta. A impressão que fica é a de que o fundo está sendo atacado apenas porque há pessoas que não gostam da ideia de que o Distrito Federal receba mais recursos que outros Estados.
TD – Por que Brasília é tratada de forma diferente em relação ao fundo, e que diferença é essa?
FÁBIO – O Distrito Federal é um ente federativo com características únicas. Possui competências de estado e de município ao mesmo tempo. Além disso, abriga as sedes dos Três Poderes e de serviços públicos federais, autarquias e instituições nacionais. Todas as representações diplomáticas estrangeiras e organismos internacionais também se encontram instalados na nossa cidade. Parece-me evidente que Brasília possui peculiaridades administrativas e institucionais que mais do que justificam a criação de um fundo específico, como forma de reconhecer essas particularidades e garantir o suprimento de recursos suficientes para atender a essas despesas.
TD – Quais são as outras áreas custeadas pelo Fundo?
FÁBIO – A criação do FCDF prevê a destinação de recursos orçamentários e financeiros para cobrir despesas com Segurança, Educação e Saúde. Todas as despesas de Segurança podem ser custeadas pelo fundo, enquanto Segurança e Educação têm, basicamente, suas despesas com pessoal cobertas, total ou parcialmente, pelos recursos da União.
TD – O Que pode acontecer com a Saúde do Distrito Federal se Brasília perder parte do fundo constitucional?
FÁBIO – Será muito ruim. Se o Arcabouço Fiscal for aprovado como proposto, a Saúde do Distrito Federal passará a ser uma paciente grave, podendo vir a óbito. A projeção da receita do fundo feita pelo GDF, caso o Arcabouço Fiscal seja aprovado como proposto, demonstra uma queda, em relação à lei vigente, de R$ 87 bilhões até o ano de 2033. Desse montante, se for mantida a atual distribuição percentual, serão perdidos R$ 27 bilhões na Saúde em termos nominais. Esse volume de recursos perdido seria suficiente para suprir o déficit de leitos para toda a população da RIDE e ainda garantir o pagamento de pessoal e custeio necessários para esse aumento da rede de assistência. Enquanto há filas para tratamento de câncer e cirurgias ortopédicas demoram meses para serem realizadas, por exemplo, não é razoável abrir mão de ampliar a capacidade de atendimento, que parece ser o que se deseja, caso o novo Arcabouço Fiscal seja aprovado.