Por Miguel Lucena
Torquato Neto escreveu a pergunta com a precisão de um bisturi e a delicadeza de quem já sangrava por dentro: Existirmos: a que será que se destina? Não quis resposta. Quis eco.
Caetano, que o amava como se ama um irmão incendiário, levou o verso para dentro de uma canção chamada Cajuína — nome de bebida doce e transparente, feita da fruta e da saudade. Lá estavam os dois: o poeta morto e o amigo vivo, tentando entender o que ninguém entende.
Eu, que nunca bebi cajuína em Teresina, mas já tomei goles de silêncio em muitas madrugadas, também me pergunto: pra que existimos, afinal? Para correr atrás do prejuízo ou para colecionar espantos? Para pagar boletos ou ver o pôr do sol em estado de graça?
Torquato se foi cedo. Cansou da vida como quem se cansa de uma conversa sem sentido. Mas deixou essa interrogação solta no ar, flutuando como um balão que ninguém segura. Ela entra pela janela da gente de vez em quando, no meio de um engarrafamento, de um beijo, de uma notícia ruim.
E sempre que ela vem, eu paro. Respiro. E penso que talvez existir seja isso mesmo: perguntar sem saber, amar sem garantia, escrever mesmo sem entender.
Talvez a resposta esteja no próprio gesto de perguntar.
Talvez seja só isso: seguir.
Com poesia.