Manter cidadãos comuns presos por quase dois anos é desproporcional. O Brasil já perdoou crimes muito mais graves
Por Carlos Arouck
O Brasil já anistiou torturadores da ditadura. Já perdoou políticos envolvidos em esquemas de corrupção que drenaram bilhões dos cofres públicos. Já arquivou crimes ambientais, fiscais e eleitorais cometidos por figuras poderosas. E, mais do que isso, concedeu anistia também a militantes da luta armada durante o regime militar — revolucionários que, além de combater a ditadura, participaram de sequestros, assaltos, ataques a quartéis e até homicídios em nome de causas ideológicas. O gesto foi feito em nome da pacificação nacional.
Como, então, justificar que manifestantes do 8 de janeiro de 2023 continuem presos, muitos há quase dois anos, cumprindo penas pesadas por vandalismo e invasão de prédios públicos? Qual a lógica em tratar com mais dureza cidadãos desarmados do que se tratou aqueles que enfrentaram o Estado à bala?
Segundo levantamento do instituto Paraná Pesquisas, apenas 29,5% da população classifica o episódio como uma tentativa de golpe. A maioria vê o que de fato foi: um protesto que cruzou a linha da legalidade, motivado por frustração política, mas sem organização real, comando militar ou ameaça concreta ao regime democrático. Para 35,9%, foi um ato irresponsável; 27,9% classificam como vandalismo.
Quando se trata da punição, o recado popular é ainda mais claro. Para 32,8% dos brasileiros, os dois anos de prisão já bastam. Outros 29,1% dizem que nem deveriam estar presos, considerando que em situações parecidas no passado — inclusive com invasões da esquerda — ninguém foi detido por tanto tempo. Apenas 31,8% apoiam as penas de 17 anos.
Mesmo assim, a proposta em tramitação no Senado para redução das penas ainda é tímida. Embora reconheça o exagero, não repara a injustiça cometida contra inocentes que continuam presos, sem provas de envolvimento direto na depredação. Não restaura a dignidade de quem foi usado como bode expiatório. E não livra o Estado da responsabilidade por manter cidadãos atrás das grades por tempo excessivo, com base em enquadramentos jurídicos forçados e decisões contaminadas pelo clima político.
A verdade é que a maioria dos presos pelo 8 de janeiro não participou de nenhum plano de golpe. Não organizou, não liderou, não armou nada. São pessoas comuns — aposentados, trabalhadores, jovens sem antecedentes — que foram empurradas por desinformação, manipulação e um ambiente de instabilidade política. Continuar tratando essas pessoas como golpistas é uma distorção da realidade e uma covardia institucional.
Anistiar esses réus não é um favor. É uma exigência moral. É reconhecer que o Estado falhou, que os excessos precisam ser corrigidos e que manter inocentes presos é, sim, um crime.
A democracia não se fortalece com injustiças seletivas. Ela se sustenta no princípio de que ninguém deve pagar por um crime que não cometeu. É por isso que a anistia ampla, clara e imediata para os envolvidos no 8 de janeiro é não apenas legítima — é necessária para encerrar esse capítulo e fazer justiça.