Há situações na vida pública brasileira que se acentuam de acordo com a lógica de evolução ou involução da própria vida social. Vida que se desenvolve no dia-a-dia dentro da maior normalidade, sem alterar qualquer curso dos acontecimentos. O problema é que a própria vida não se coordena pelas bolhas da assepsia digital – tão decantada nos moldes das redes sociais.
Não posso achar que a vida ultramoderna é isenta de inconvenientes, se acho incomodo um veículo de limpeza pública e seus funcionários que tão dignamente faz o serviço de retirar a sujeira por nós provocada. A dinâmica da vida exige respeito ao próximo – independente d’eu estar bem ou não; “nervoso” ou “alterado”… O próximo é real! A vida é dialética; e os meus próprios atos atingem pessoas – queira ou não queira eu. Por isso, não posso viver socialmente sem o mínimo de civilidade. A minha falta de princípios éticos – não importando o que prega o hedonismo das redes sociais – vai atingir meu semelhante; impossível uma vida sem contradições! Isso é esquizofrenia social
Nietzsche, filósofo alemão, alertava-nos à segunda metade do século XIX, para o fenômeno social que começava a ganhar corpo na sociedade européia. O niilismo! E com seu pensamento afiado, o autor de Assim Falava Zaratustra, martelava incomodado com a perda de sentido dos valores, e o mergulho da cultura nos prenúncios de um vazio geral – filosófico, social, existencial, político… Mas se esses valores eram paulatinamente desconstruídos, por outro lado não apontavam uma perspectiva – apenas a perda de sentido e a ausência de respostas.
Curioso é que o pensador viveu esse drama – contribuiu para anunciar esse fenômeno e permaneceu preso ao mesmo, embora pregasse a transmutação de todos os valores que a filosofia, a religião, a política e a própria sociedade estabeleceram como fundamentos da vida e da convivência entre os humanos. E a transmutação, nesse contexto, não é apenas uma mudança superficial, mas uma elevação profunda da consciência humana, superando o senso comum e as limitações e em favor de um poder espiritual ilimitado. E não podemos esquecer que o próprio Nietzsche considerava a si próprio um campo de batalhas. E o pensador, ao pregar a transmutação de desses valores, destaca o tempo da incerteza de tudo e da certeza do nada.
Com o universo da lógica digital a comandar o mundo, observa-se que as pessoas estão numa corrida desenfreada, cujo sentido passa pela exclusão do outro, já que esse outro representa – para o sujeito neoliberal cansado de si -, o contraditório; o negativo.
A sociedade digital sofre do excesso de positividade. Dessa positividade destacam-se – o hedonismo; o que vale é a busca acentuada pelo prazer e aparência, exibicionismo e dinheiro! A vida perdeu o sentido; está esvaziada de ser. O que importa a mim, nem sempre importa ao outro. Minha régua é a da aparência; da forma – jamais a do conteúdo. O ser humano que não é medido pela régua das redes sociais não interessa. Por isso, o empresário de Belo Horizonte-MG que assassinou um gari – ser humano humilde e trabalhador (que limpa a sujeira dos “pitis burgueses esquizofrênicos”) -, não passa de uma pessoa tomada pelo niilismo, cujo dia começa com a vida material esvaziada de sentidos e termina numa academia – onde se exercitam o autoencantamento do corpo e o achatamento do espírito.
Não adianta fugir à realidade. Não são palavras adocicadas que a amenizam as contrariedades da vida, mas sim a revelação de seus percalços a nos apontar um mundo límpido de ilusões alimentadas pelas profecias neoliberais!
Em tempos modernosos, faz-se necessário a advertência do filósofo Sócrates, que há mais de 300 a. C já alertava a juventude: “estou tentando convencer-vos aos mais jovens (e mais velhos também) de que não deveis preocupar-vos apenas com os corpos, com as riquezas… mas antes de tudo, com a alma…” Essa é a virtude da vida humana!
José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal). Siga-nos – Instagran: @prof gadelhadf