Ex-governador é suspeito de ter direcionado recursos do Jockey Club de São Paulo para a produtora goiana Elysium, comandada por pessoas próximas a ele
Reportagem publicada pelo portal UOL neste domingo (19/10) revela indícios de desvio de recursos públicos destinados ao Jockey Club de São Paulo por meio da Lei Rouanet. O esquema investigado envolve empresas e pessoas ligadas ao ex-governador de Goiás e atual presidente nacional do PSDB, Marconi Perillo, que é sócio do clube paulistano desde 2019 e conselheiro desde 2022.
O Jockey, que enfrenta grave crise financeira e acumula dívidas milionárias, recebeu R$ 83,6 milhões em incentivos fiscais nos últimos sete anos para restaurar sua sede centenária às margens do Rio Pinheiros, na zona oeste da capital paulista. Desse total, R$ 22,4 milhões vieram por meio da Lei Rouanet. Documentos obtidos pelo UOL mostram que parte dos recursos foi direcionada a empresas de fachada, serviços não comprovados e despesas que não têm relação com o projeto de restauro aprovado pelo Ministério da Cultura (MinC).
As notas fiscais apresentadas pelo Jockey incluem pagamentos a uma construtora de Goiânia que só existe no Instagram, jantares com vinhos em restaurantes de luxo, despesas pessoais em farmácias e diárias de hotel no Rio de Janeiro. Também aparece o aluguel de um gerador de energia enviado para Santo Antônio de Goiás, sem qualquer justificativa técnica ligada às obras do clube em São Paulo. Essa despesa foi registrada em nome da empresa Sapé Administração de Imóveis, que tem como sócia uma prima de Marconi Perillo e funciona no mesmo endereço da produtora cultural Elysium, em Goiânia.
A Elysium é peça central da investigação. A empresa foi transformada em Organização Social de Cultura (OSC) em 2014, por decreto do então governador Marconi Perillo, e passou a administrar projetos culturais financiados com dinheiro público em Goiás. Em 2025, a produtora atingiu seu auge ao obter quatro aprovações simultâneas pela Lei Rouanet, todas ligadas ao Jockey Club. Segundo a reportagem, Marconi teria indicado a empresa para coordenar o projeto de restauro e selecionar fornecedores, muitos deles também de Goiás e com vínculos familiares.
A Elysium pertence a João Carlos Unes, que atuava como assessor informal de Perillo no governo de Goiás, além de Wolney Alfredo e Sebastião Unes, tios e avô de Débora Perillo, a prima do ex-governador. Apesar disso, Marconi nega conhecer a empresa e afirma não ter qualquer relação com as contratações. Outra empresa envolvida é a Construtora Biapó, que confirmou ter prestado serviços ao Jockey, mas não informou valores recebidos. O fundador da Biapó é sócio dos irmãos Unes em outro CNPJ, a Biapó Urbanismo.
A reportagem identificou ainda duplicidade na documentação apresentada pelo Jockey. Notas fiscais foram usadas ao mesmo tempo para justificar despesas da Lei Rouanet e de outro programa de incentivo, o TDC (Transferência do Direito de Construir), da Prefeitura de São Paulo, que destinou mais R$ 61,2 milhões ao clube. O Departamento do Patrimônio Histórico (DPH) rejeitou as contas do Jockey e concluiu que os documentos são insuficientes e podem indicar que parte dos recursos públicos foi utilizada para pagamento de dívidas, o que é ilegal.
O caso é investigado por uma força-tarefa formada pelo Ministério da Cultura e pela Controladoria-Geral do Município de São Paulo. Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que as irregularidades podem resultar na devolução integral do dinheiro público e responsabilização dos envolvidos por improbidade administrativa, estelionato e lavagem de dinheiro.
Procurado, o presidente do Jockey, Marcelo Motta, afirmou que “devido ao caráter privado da entidade, a escolha de fornecedores é uma decisão interna”. A Elysium, por sua vez, negou ter atuado com recursos do TDC e afirmou que todos os gastos obedecem à legislação cultural. Marconi Perillo declarou que “qualquer tentativa de associar seu nome ao caso é uma leviandade absurda” e garantiu não ter participado de indicações ou contratos.
Marconi se mudou para São Paulo após perder a eleição para o Senado em 2018 e passou a atuar como consultor. Sua empresa prestou serviços à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), do empresário Benjamin Steinbruch, então presidente do Jockey Club. Desde então, Perillo tem ampliado sua influência nos bastidores do hipódromo, articulando com vereadores e com a prefeitura uma tentativa de reduzir ou perdoar dívidas do clube com IPTU e ISS, que somam mais de R$ 800 milhões — sem sucesso até agora.