Decisões judiciais agitam cenário político no Brasil

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Foto: Fellipe Sampaio /SCO/STF

 

 

Por Carlos Arouck

Nos últimos meses, decisões da Justiça e investigações envolvendo figuras públicas têm gerado polêmica no país. Entre os casos mais recentes estão a legalidade da delação de Mauro Cid, o arquivamento da investigação sobre fraudes em dados de vacinação com base nas declarações do ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, a mudança de entendimento do Tribunal de Contas da União (TCU) sobre as joias recebidas pelo ex-presidente e a reafirmação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o direito de defesa no acesso a provas.

A delação do tenente-coronel Mauro Cid, que já foi considerada peça-chave em investigações contra Jair Bolsonaro, perdeu força no processo que apura a suposta tentativa de golpe de Estado. A Procuradoria-Geral da República (PGR), sob o comando do procurador-geral Paulo Gonet, pediu o arquivamento da investigação contra Bolsonaro sobre suposta fraude no cartão de vacinação contra a Covid-19.

O pedido, apresentado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 27 de março de 2025, argumenta que não há elementos suficientes para responsabilizar Bolsonaro pelo crime de inserção de dados falsos nos sistemas do Ministério da Saúde. Segundo Gonet, a acusação se baseava exclusivamente na delação de Mauro Cid, que alegou ter falsificado os dados a mando do ex-presidente. No entanto, a PGR destacou que não foram encontradas provas independentes que corroborassem essa versão, e a legislação brasileira proíbe denúncias fundamentadas apenas em depoimentos de delatores, exigindo evidências autônomas.

Ao justificar o arquivamento, Gonet diferenciou esse caso da investigação sobre a tentativa de golpe de Estado, na qual há provas adicionais além da delação de Cid. Esse posicionamento levanta dúvidas sobre o impacto da colaboração do ex-ajudante de ordens em outros processos contra Bolsonaro.

O TCU recentemente decidiu que as joias sauditas recebidas pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e sua comitiva não são consideradas patrimônio público. Isso significa que elas não precisam ser incorporadas ao acervo da União, desde que sejam comprovadamente presentes pessoais e não tenham sido adquiridas com recursos públicos ou destinadas a integrar o patrimônio oficial do país.

Em outro julgamento relevante, a Quinta Turma do STJ reafirmou, no HC 949358, que a acusação não pode selecionar quais elementos de prova serão entregues à defesa. O tribunal destacou que negar acesso à totalidade dos dados telemáticos obtidos de dispositivos eletrônicos viola o contraditório e a ampla defesa. Esse entendimento reforça que o Ministério Público não deve manipular provas de maneira seletiva, sob risco de nulidade processual.

Além disso, o STJ anulou uma decisão que havia autorizado a quebra de sigilo de Jair Bolsonaro em uma investigação sobre fraude em cartões de vacinação. O tribunal entendeu que a decisão anterior não estava suficientemente fundamentada, reforçando o princípio da proteção contra medidas invasivas sem justificativa detalhada.

A possível anistia aos envolvidos nos ataques de 8 de janeiro de 2023 ao Congresso Nacional segue dividindo opiniões. Pesquisa do Datafolha aponta que uma parcela significativa da população apoia a medida, possivelmente influenciada pela visão de que os eventos daquele dia foram mais um ato de vandalismo do que uma tentativa de golpe. A denúncia da Procuradoria-Geral da República também tem sido criticada por sua fragilidade na comprovação de uma articulação golpista.

Outro episódio que repercutiu foi o arquivamento do inquérito sobre a perturbação de uma baleia jubarte por Bolsonaro. O ex-presidente foi filmado pilotando uma moto aquática em alta velocidade próximo ao animal, em uma tentativa de configurar infração ambiental.

Um estudo da professora Ana Laura Barbosa, da ESPM-SP, mostrou que o tempo médio para a conclusão de uma ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF) é de 722 dias, quase dois anos. Para que o julgamento de Bolsonaro ocorra até 2025, seria necessária uma aceleração no trâmite, o que levanta questionamentos sobre possíveis mudanças nos ritos processuais e eventuais critérios políticos na tramitação dos casos.

O tratamento desigual dado a figuras políticas evidencia uma Justiça seletiva que mina a democracia e fere a confiança da população nas instituições. Enquanto os “amigos” são blindados, Bolsonaro e seus aliados enfrentam perseguição e decisões judiciais motivadas mais por interesses políticos do que pelo cumprimento imparcial da lei. Esse desequilíbrio não apenas distorce o jogo democrático, mas também reforça a sensação de que a Justiça, em vez de ser um pilar da democracia, tornou-se um instrumento de disputa ideológica.

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