A cura será pior que a doença. O que você acha?
Em artigo o jornalista Thomas Friedman, do New York Times, defende que a cura pode ser pior que a doença.
O presidente Jair Bolsonaro, ao que parece, foi apresentado ao conteúdo e concordou com o ponto de vista do articulista do jornal dos Estados Unidos. “Seria melhor isolar apenas os grupos de maior risco e não deixar a economia afundar, porque as consequências negativas, inclusive para os mais pobres, seriam piores”, aconselha o jornalista.
“Coronavírus: não caia na conversa de que é melhor não fazer nada , diz Hamilton Carvalho
Por Hamilton Carvalho
O artigo de Thomas Friedman, publicado no New York Times, parece que fez sucesso por aqui, a julgar pelas minhas redes sociais. A ideia, em poucas palavras, é simples: a cura pode ser pior que a doença. Nessa visão, seria melhor isolar apenas os grupos de maior risco e não deixar a economia afundar, porque as consequências negativas, inclusive para os mais pobres, seriam piores.
Em poucas palavras: esse cenário é irresponsável.
O primeiro e mais óbvio problema dele é acreditar que o Estado teria essa capacidade de fazer intervenções cirúrgicas, “verticais”, se, na maioria dos países, não foi nem capaz de se preparar minimamente para essa pandemia.
Não custa lembrar que a ameaça de uma pandemia por coronavírus é conhecida na ciência há algumas décadas. O Fórum Econômico Mundial alertou no ano passado para o risco. Um artigo científico de 2007 disse claramente que estávamos diante de uma bomba-relógio. Ela explodiu.
No Brasil e em outros países, nem estamos conseguindo coordenar respostas rápidas e horizontais de forma satisfatória. Nas favelas cariocas, esse Estado de videogame imaginado por Friedman não consegue nem colocar água na torneira das pessoas.
O isolamento total de grupos de risco é impraticável. Mesmo que fosse bem administrado, seria inevitável que o vírus escapasse ou fosse importado, atingindo toda a população nas ruas e gerando o que é o grande problema dessa pandemia: o asfixiamento de hospitais e centros de atendimento.
Deixa lotar 50 vezes acima da capacidade do sistema? Nessa condição, as taxas de mortalidade não vão ser as de 1% ingenuamente sonhadas pelo epidemiologista John Ioannidis, mencionado no artigo de Friedman. Vão ser pornograficamente mais elevadas.
Não vai ter leito, respirador e profissional de saúde para todos os infectados, que morrerão como moscas. Infartados e crianças com câncer, entre outros públicos que normalmente demandariam internação, perderão o direito às UTIs, tomadas por gente com corona que chegou primeiro. É justo com essas pessoas?
Vale lembrar o que não me canso de esgoelar desde antes da crise: se o Estado brasileiro tivesse agido direito e no timing certo, os danos seriam menores e por tempo mais limitado. Hoje, a menos que os remédios em teste façam um bom efeito (reze!), nós já encomendamos um quadro de caos social e algumas toneladas de sofrimento para as próximas semanas.
Outro problema com a visão “cirúrgica” veiculada por Friedman é que as perdas de renda são inevitáveis em qualquer situação. Ah, deixa a economia funcionar, para as pessoas não perderem sua fonte de renda… Até as pessoas começarem a morrer e a pressão social exigir respostas dos governantes.
Qual deles se manteria no cargo se lavasse propositadamente as mãos? Eles seriam obrigados a agir de qualquer jeito, de forma atabalhoada e tarde demais. E a economia pararia da mesma forma, só que a renda das famílias seria machucada por muito mais tempo. Porque nessa brincadeira teríamos rasgado um dos contratos mais sagrados da vida em sociedade: a confiança nas instituições.
Precisamos, sim, é de coordenação coletiva, que cabe, sim, ao Estado. Precisamos turbinar os canais sociais que atingem os miseráveis e mais pobres e coordenar respostas emergenciais, distribuindo comida, crédito e dinheiro. Os Estados Unidos já começaram a fazer isso. Nós, aqui no Brasil, estamos errando por timidez e obtusidade.
No fundo, a visão defendida no artigo de Friedman (e, pela minha amostra de redes sociais, tão rapidamente abraçada por gente que quer defender a inação do governo Bolsonaro) é um cenário que mistura Mad Max com darwinismo social. Não vejo motivos para acreditar que teríamos um sofrimento total menor nessa situação.
Estamos nos enganando e procurando desculpas para não fazer o que tem de ser feito. É muita irresponsabilidade.”
Artigo no New York Times mostra
que Bolsonaro pode estar certo sobre o Coronavírus
Médicos ouvidos por jornalista defendem
isolamento apenas de idosos, pessoas com doenças
crônicas e com baixa imunidade — e tratar o
restante da sociedade como se lida com a gripe.
Geraldo Samor e Pedro Arbex
Thomas Friedman, um dos colunistas mais influentes do mundo, ouviu
três médicos e escreveu o artigo mais contundente até agora sobre o
risco do lockdown global se estender por muito tempo.
No texto, publicado hoje à tarde no
The New York Times, Friedman nota
que os políticos estão tendo que tomar “decisões enormes de vida ou
morte, enquanto atravessam uma neblina com informação imperfeita e
todo mundo no banco de trás gritando com eles. Eles estão fazendo o
melhor que podem.”
Mas com o desemprego se alastrando pelo mundo tão rápido quanto o
vírus, “alguns especialistas estão começando a questionar: ‘Espera um
minuto! O que estamos fazendo com nós mesmos? Com nossa
economia? Com a próxima geração? Será que essa cura — mesmo que
por um período curto — será pior que a doença?’
Friedman diz que as lideranças políticas estão ouvindo o conselho de
epidemiologistas sérios e especialistas em saúde pública. Ainda assim,
ele diz que o mundo tem que ter cuidado com o “pensamento de grupo”
e que até “pequenas escolhas erradas podem ter grandes
consequências”.
Presidente Jair Bolsonaro com o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta/Poder360
Para ele, a questão é como podemos ser mais cirúrgicos na resposta ao
vírus de forma a manter a letalidade baixa e ao mesmo tempo permitir
que as pessoas voltem ao trabalho o mais cedo possível e com
segurança.
Friedman diz que “se a minha caixa de email for alguma indicação, uma
reação mais inteligente está começando a brotar.”
Ele cita um artigo publicado semana passada pelo Dr. John P. A.
Ioannidis, um epidemiologista e co-diretor do Centro de Inovação em
Meta-Pesta-Pesquisa de Stanford. No artigo, Ioannidis diz que a
comunidade científica ainda não sabe exatamente qual é a taxa de
mortalidade do coronavírus. Segundo ele, “as evidências disponíveis hoje
indicam que a letalidade pode ser de 1% ou ainda menor.”
“Se essa for a taxa verdadeira, paralisar o mundo todo com implicações
financeiras e sociais potencialmente tremendas pode ser totalmente
irracional. É como um elefante sendo atacado por um gato doméstico.
Frustrado e tentando fugir do gato, o elefante acidentalmente pula do
penhasco e morre.”
Temor do vírus mudou a rotina em todo o mundo, principalmente na Europa
Friedman também cita o Dr. Steven Woolf, diretor emérito do Centro
Sobre a Sociedade e Saúde da Universidade da Virgínia, para quem o
lockdown “pode ser necessário para conter a transmissão comunitária,
mas pode prejudicar a saúde de outras formas, custando vidas”.
“Imagine um paciente com dor no peito ou sofrendo um derrame —
casos em que a rapidez de resposta é essencial para salvar vidas —
hesitando em chamar o serviço de emergência por medo de pegar
coronavírus. Ou um paciente de câncer tendo que adiar sua
quimioterapia porque a clínica está fechada”.
Friedman complementa: “Imagine o estresse e a doença mental que virá
— já está vindo — de termos fechado a economia, gerando desemprego
em massa”.
Woolf, o médico da Virgínia, afirma no artigo que a renda é uma das
variáveis mais fortes a afetar a saúde e a longevidade. “Os pobres, que já
sofrem há gerações com taxas de mortalidade mais altas, serão os mais
prejudicados e provavelmente os que receberão menos ajuda. São as
camareiras dos hotéis fechados e as famílias sem opções quando o
transporte público fecha.”
Thomas Friedman, um dos colunistas mais influentes do mundo
Há outro caminho?, pergunta Friedman.
Para ele, a melhor ideia até agora veio do Dr. David Katz, diretor do
Centro de Prevenção e Pesquisa da Universidade de Yale e um
especialista em saúde pública e medicina preventiva.
Num artigo publicado sexta-feira no The New York Times, o Dr. Katz diz
que há três objetivos neste momento: salvar tantas vidas quanto
possível, garantindo que o sistema de saúde não entre em colapso, “mas
também garantir que no processo de atingir os dois primeiros objetivos
não destruamos nossa economia e, como resultado disso, ainda mais
vidas.”
Como fazer isso?
Katz diz que o mundo tem que pivotar da estratégia de “interdição
horizontal” que estamos empregando agora — restringindo o movimento
e o comércio de toda a população, sem considerar a variância no risco de
infecção severa — para uma estratégia mais “cirúrgica”, ou de “interdição
vertical”.
“A abordagem cirúrgica e vertical focaria em proteger e isolar os que
correm maior risco de morrer ou sofrer danos de longo prazo — isto é, os
idosos, pessoas com doenças crônicas e com baixa imunidade — e tratar
o resto da sociedade basicamente da mesma forma que sempre lidamos com ameaças mais familiares como a gripe.
Katz sugere que o isolamento atual dure duas semanas, em vez de um
período indefinido. Para os infectados, os sintomas aparecerão nesse
período. “Aqueles que tiverem uma infecção sintomática devem se autoisolar em seguida, com ou sem testes, que é exatamente o que fazemos
com a gripe. Quem não estiver sintomático e fizer parte da população de
baixo risco deveria voltar ao trabalho ou a escola depois daquelas duas
semanas.”
“O efeito rejuvenescedor na alma humana e na economia — de saber que
existe luz no fim do túnel — é difícil de superestimar. O risco não será
zero, mas o risco de acontecer algo ruim com qualquer um de nós em
qualquer dia da nossa vida nunca é zero.”
Fonte: Brazil Journal