A alma de Brasília em infusão: Casa de Chá celebra memórias, sabores e o legado de Niemeyer
Entre as curvas monumentais que moldaram o sonho modernista de Brasília, repousa um espaço onde o tempo desacelera e a história sussurra em goles delicados: a Casa de Chá. Discreta, elegante e profundamente simbólica, ela floresce como refúgio de contemplação e memória, em meio à imponência da Praça dos Três Poderes. Ali, o perfume do Cerrado se mistura ao aroma de ervas e especiarias, e o concreto ganha alma em xícaras de porcelana.
Projetada entre 1965 e 1966 por Oscar Niemeyer, a Casa de Chá foi sonhada como ponto de encontro e descanso. Em seu livro Quase Memórias, o arquiteto a batizou de “restaurante da Praça dos Três Poderes”, um espaço que nos anos 1970 e 1980 pulsava vida com rodas de violão e encontros entre trabalhadores do coração político do Brasil.
Hoje, quase seis décadas depois, ela renasce com novo vigor. Em 2024, ganhou nova vida como café-escola sob gestão do Senac-DF, resgatando não apenas o propósito original de Niemeyer, mas também projetando o futuro com formação profissional e valorização da cultura local. Além de funcionar como Centro de Atendimento ao Turista (CAT), graças a uma parceria entre GDF e Setur-DF, o espaço tem se tornado símbolo de pertencimento e identidade para brasilienses e visitantes.
“Em 70 dias, entregamos um restaurante-escola de qualidade, um presente para a cidade”, destaca o secretário de Turismo do DF, Cristiano Araújo. “Mais de 115 mil pessoas passaram por aqui em menos de um ano. É exemplo para o Brasil.” E não é apenas um espaço de café e descanso: é um palco onde o design candango, a gastronomia do Cerrado e a memória afetiva se entrelaçam. A requalificação incluiu pintura, polimento de mármore e mobiliário assinado por designers locais, com apoio da Adepro-DF.
Reconhecimento além-mar

A força da Casa de Chá ultrapassou fronteiras: em 2024, integrou a lista “150 Tea Houses You Need to Visit Before You Die”, elaborada pela jornalista britânica Léa Teuscher. É o mundo descobrindo, aos poucos, os encantos de uma Brasília que vai muito além da política e do concreto.
“É uma síntese de Brasília — e Brasília, uma síntese do Brasil”, resume Vitor Corrêa, diretor do Senac-DF. “Aqui, cada gole celebra os modernistas e os construtores do passado, ao mesmo tempo em que valoriza os artesãos, designers e produtores que moldam o presente.”
Memórias emolduradas pelas janelas

No início de abril, Kadu Niemeyer, neto de Oscar Niemeyer, visitou a Casa de Chá. Ao cruzar as portas do espaço projetado por seu avô, sentiu-se como quem folheia um álbum vivo de memórias. “A Casa de Chá reflete tudo o que ele acreditava: beleza com funcionalidade, encontros com simplicidade. É um lugar onde a arquitetura acolhe a vida”, contou.
Ao experimentar o cardápio, encantou-se com o requeijão de pequi e outros sabores do Cerrado. “São uma celebração da nossa biodiversidade. A entrada com o nome do meu avô é uma homenagem saborosa, que traduz bem a leveza e a força de sua obra.”
Entre raízes e horizontes
Instalada discretamente no subsolo da Praça, com acesso pela escadaria em frente ao Pavilhão Nacional, a Casa de Chá funciona de quarta a domingo, das 10h30 às 19h30. Aos domingos, o programa Vai de Graça facilita o acesso gratuito com transporte público.
Reservas podem ser feitas online (com 40% das mesas disponíveis), mas o acolhimento também se faz por ordem de chegada. Às segundas-feiras, o CAT permanece aberto para informações e visitas.
Mais do que um café, a Casa de Chá é um convite a redescobrir Brasília em estado de poesia. Em cada detalhe — do mobiliário ao cardápio — pulsa o espírito da capital: ousado, sensível, profundamente brasileiro. Um brinde à memória, ao Cerrado e ao futuro que se serve com calma, em goles lentos, como pede a boa arquitetura da vida.