“Acredito em um Deus que saiba dançar”. (Nietzsche)
Por José Gadêlha Loureiro O brasileiro é conhecido pelo seu espírito alegre, espontâneo, extrovertido – e muitas vezes capaz de variações desse estado. Será que esse espírito alegre é verdadeiro ou está a serviço de um marketing bem articulado, por uma lógica subserviente, que prefere descaracterizar o samba para contaminar nossa festa democrática – o carnaval – com propostas de um glaumor modernoso? Parece chic, né? Ora bolas! O carnaval tem espírito de Fênix -, e isso não passa de alienação dessa mídia colonizada! Como diria o mestre da Portela – Paulino da Viola – “as cosas estão no mundo, só que eu preciso aprender”; ou “façam como o velho marinheiro, que durante o nevoeiro leva o barco devagar”. As elites perversas - dominadas até a alma pela ideologia do império estadunidense – nada fazem pela cultura brasileira. Não defendem os interesses de uma Educação Pública Nacional (com escolas de período integral para crianças, adolescentes e jovens desse Brasil profundo); mas sempre querem se apropriar dos valores culturais do povo – verdadeiro produtor de cultura e identidade nacional, – para depois transformá-los em objeto de lucro a pretexto de economia criativa. E essa gente, nas práticas antirepublicanas e de tradicional empáfia criam um vergonhoso hiato social; mas o povo – no seu balet afrotupiniquim – supera a lógica hegelianaweberiana da dependência cultural, cantando e encantado Darcy, Mário e Rui Marin, pela voz de Noel Rosa.
O mundo me condena e ninguém tem pena
Falando sempre mal do meu nome!
Deixando de saber
Se eu vou morrer de sede
Ou se vou morrer de fome?
Mas, a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente, assim!
Nesta prontidão, sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim!
Não me incomodo que você me diga
Que a sociedade é minha inimiga!
Pois, cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora, vagabundo!
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas
Não compra alegria!
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia!
(Composição: Andre Filho / Noel Rosa – ano 1933)
A grande questão é que, gradativamente, o capitalismo financeiro desritualiza a fantasia, transformando-a em mercadoria – e por consequência, a alegria também. (Não sei se rima, mas perdoei-me a cacofonia!). Uma vez dessacralizada, a alegria perde nossa característica principal – a capacidade de encontrar sentidos para além da esquizofrenia neoliberal. Por isso essa “alegria” não guarda um estado natural de espírito carnavalesco; é apenas um penduricalho a servir como mecanismo de fuga às condições materiais e espirituais que aprisionam o povo – cansado de ser o sujeito de desempenho do mantra empreendedorístico! E a esquizofrenia neoliberal sempre quer nos induzir – através da cultura digital consumista – a um mundo de novas necessidades e ausente de contradições sociais. Mas o mesmo povo – pela boca do inspirado poeta – com arte, capacidade crítica e resistência do samba, responde à perversão das elites.
Mas, a filosofia hoje me auxilia
A viver indiferente, assim!
Nesta prontidão, sem fim
Vou fingindo que sou rico
Pra ninguém zombar de mim!
Não me incomodo que voce me diga
Que a sociedade é minha inimiga!
Pois, cantando neste mundo
Vivo escravo do meu samba
Muito embora, vagabundo!
E o Carnaval não se rende ao neoliberalismo. Escolas de Samba e Blocos de Rua – do Frevo ao Maracatu – transformam o Brasil numa festa democrática – verdadeira lição de arte, ética e cidadania. E mais – esteticamente com plumas e paetês, -“um tapa na face” da alienação digital, que sutilmente insiste transformar a alegria em “curtidas e likes”. Mas o Brasil profundo rompe o senso comum, cantando com Noel, Brizola e Oscar:
Quanto a você da aristocracia
Que tem dinheiro, mas
Não compra alegria!
Há de viver eternamente
Sendo escrava dessa gente
Que cultiva hipocrisia!
*José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal). Siga-nos – Instagran: @PROF.GADELHADF