As estocadas do presidente Jair Bolsonaro, acusando claramente o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) na sexta-feira à noite, de querer tirá-lo do poder foi o princípio de estratégia que almeja mais do que o ataque pessoal. Bolsonaro deixou claro, nada contra o Congresso, mas, sim, colocou Maia na alça de mira.
Maia opera na Câmara para impedir o bom relacionamento entre os dois poderes. E qual a alternativa para Bolsonaro, contornar o democrata? A configuração do cenário político direcionou a atenção do presidente da República para o Centrão, conjunto de partidos de centro direita para arrumar na base de sustentação.
E para tanto tenciona oferecer cargos para reconquistar corações e mentes de parlamentares dispostos a se aproximarem do Palácio do Planalto.
A estratégia busca rachar o bloco e isolar o DEM do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (RJ), a quem Bolsonaro se refere como um político que age para promover o seu impeachment.
Desde o mês passado, quando a crise do coronavírus se agravou e a demissão do então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta (DEM), entrou no radar, Bolsonaro começou a se reunir com presidentes e líderes de partidos do grupo batizado como “Centrão raiz”, entre os quais PP, PL, PSD e Republicanos. Mas não convidou o DEM, que também integra o bloco.
Bolsonaro chamou amistosamente o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (AP), de quem procura se reaproximar. Até agora não conseguiu, tanto que, ainda ontem, Alcolumbre suspendeu a análise da medida provisória (MP) que institui o contrato verde e amarelo, atendendo a pedido da oposição. Com a manobra, a medida enviada pelo governo para flexibilizar direitos trabalhistas vai caducar, uma vez que perde a validade na segunda-feira.
Convencido de que Maia quer “enfiar a faca” em seu pescoço para derrubá-lo, Bolsonaro decidiu mudar o modelo de articulação no Congresso e fechar alianças diretamente com deputados e senadores que antes carimbava como representantes da “velha política”.
O Estado apurou que o DEM perderá o comando da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e da Parnaíba (Codevasf), que deve ser entregue ao PP do senador Ciro Nogueira.
Além disso, a direção e as superintendências do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), hoje com militares, podem ficar com o PL de Valdemar Costa Neto. Em governos passados, o partido de Valdemar tinha o domínio da área de transportes.
Bomba-relógio
Na dança das cadeiras, o Banco do Nordeste também terá novos ocupantes. De acordo com líderes de partidos ouvidos sob a condição de anonimato, as negociações envolvem, ainda, prioridade na liberação de emendas parlamentares para o combate à pandemia do coronavírus. Como mostrou o Estado, dos R$ 8 bilhões anunciados por Bolsonaro em março, apenas R$ 119 milhões (1,5%) saíram dos cofres públicos até agora.
Conspiração tem nome
Na avaliação de Bolsonaro há uma “bomba-relógio” fiscal em curso, armada por Maia, com o objetivo de ferir de morte sua gestão. Diante do que vê como “conspiração”, o presidente faz agora de tudo para esvaziar o poder de Maia.
O novo capítulo da queda de braço é o programa de socorro a Estados e municípios, aprovado pela Câmara, no valor de R$ 89,6 bilhões.
O ministro da Economia, Paulo Guedes – que não fala mais com Maia – chegou a dizer que não se pode dar um “cheque em branco” a governadores de Estados mais ricos. Era uma referência a João Doria (São Paulo) e a Wilson Witzel (Rio), adversários de Bolsonaro e pré-candidatos ao Planalto, em 2022.
“Parece que a intenção é me tirar do governo. Quero crer que eu esteja equivocado”, disse Bolsonaro, na noite desta quinta-feira, em entrevista à emissora CNN Brasil. “Qual o objetivo do senhor Rodrigo Maia? Ele quer atacar o governo federal, enfiar a faca. (…) Está conduzindo o País para o caos”, atacou.
Conversa ou início do toma lá, dá cá
Dois dias antes, Maia já havia reclamado dos “coices” dados pelo Planalto. Desta vez, porém, reagiu às declarações de Bolsonaro em outro tom. “Ele joga pedras e o Parlamento vai jogar flores”.
O líder do governo na Câmara, Vitor Hugo (PSL-GO), admitiu que a estratégia do governo vai mudar diante do excesso de críticas de Maia ao Executivo. “Estou sentindo do presidente e ministros uma disposição maior para interagir de maneira direta, sem que, necessariamente, (a negociação) tenha de passar pelos presidentes das duas Casas”, afirmou ele, numa referência a Maia e a Alcolumbre.
Mesmo com a saída de Mandetta, o DEM ainda controla dois ministérios (Cidadania, com Onyx Lorenzoni, e Agricultura, com Tereza Cristina). No caso dessa última, já tem reclamado do “fogo amigo” de dentro do Palácio do Planalto. Com informações do Estadão online.