Por Carlos Arouck
O depoimento de Jair Bolsonaro no Supremo Tribunal Federal (STF), ocorrido em 10 de junho de 2025, perante o ministro Alexandre de Moraes, representou um ponto crítico na ação penal que investiga uma suposta tentativa de golpe de Estado. Acusado de crimes como organização criminosa e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito, Bolsonaro enfrentou um cenário de alta pressão, com sua liberdade em risco. Sua atuação, entretanto, demonstrou uma estratégia de defesa com dois focos claros: desmontar juridicamente as acusações da Procuradoria-Geral da República (PGR) e, ao mesmo tempo, preservar e ativar politicamente sua base de apoio.
Durante o depoimento, Bolsonaro adotou um tom contido, bem-humorado e cooperativo, uma mudança calculada em relação ao estilo combativo que marcou seu governo. Essa abordagem, orientada por seus advogados, buscou evitar confrontos diretos com o STF, blindando-se contra narrativas de radicalismo. Em paralelo, ele usou a visibilidade do depoimento como palanque político indireto, comunicando-se com sua base sem passar pela mediação da imprensa tradicional, reforçando sua imagem como líder perseguido, mas resiliente.
Para desmontar a acusação de tentativa de golpe, Bolsonaro negou com firmeza qualquer intenção golpista. Afirmou que “golpe é uma coisa abominável” e que essa possibilidade “não foi sequer cogitada” em seu governo. Ele minimizou o valor da chamada “minuta golpista”, descrevendo-a como um documento sem valor legal, impresso por seu advogado, nunca assinado nem levado adiante. Essa tentativa de desqualificar as provas buscou enfraquecer o caso da PGR ao retratar os elementos como meras especulações sem materialidade.
Em um momento direto do depoimento, Bolsonaro pediu ao ministro Alexandre de Moraes que mostrasse a minuta do suposto golpe. Quis ver o documento que sustenta parte central da acusação. Moraes se calou. Não respondeu. O silêncio pesou. Bolsonaro então reforçou o ponto: como pode um documento servir de base para uma acusação se não tem cabeçalho, nem data, nem assinatura? A pergunta ficou no ar. Moraes não reagiu. E o vazio da resposta serviu para alimentar a narrativa de que as acusações carecem de fundamento sólido e se amparam mais em convicções do que em provas formais.
Outro ponto central foi a defesa da liberdade de expressão. Bolsonaro afirmou que críticas ao sistema eleitoral, ao TSE e às urnas eletrônicas são legítimas dentro do debate democrático e não configuram crime. Ele questionou a interpretação da PGR de que lives e postagens configurariam atos ilícitos, desafiando diretamente o procurador-geral Paulo Gonet a provar que questionar decisões judiciais seria “jogar fora das quatro linhas”. Com isso, procurou se apresentar como defensor de um direito fundamental, em oposição ao que chama de censura institucional.
Ele também procurou reforçar que sua postura sempre respeitou os limites institucionais da Constituição. Citou sua conduta durante o mandato como prova de que nunca tentou, de fato, romper com as instituições democráticas. Trouxe à tona a fala do ministro Luis Roberto Barroso sobre “derrotar o bolsonarismo” para evidenciar o que considera ser um viés político dentro do STF, fortalecendo a percepção de perseguição entre seus apoiadores.
Em meio ao depoimento, Bolsonaro fez uma piada dizendo que Alexandre de Moraes seria seu vice em 2026. A fala, entendida como ironia por quem conhece o contexto, teve um objetivo claro: sinalizar leveza, inteligência e desafio diante da tensão. Essa ironia teve forte repercussão entre seus apoiadores, que viram na fala uma demonstração de controle, serenidade e cálculo político, longe de qualquer sinal de desespero.
Ele ainda mencionou a omissão do governo Lula na contenção dos manifestantes antes dos atos de 8 de janeiro, insinuando que a responsabilidade pelos eventos não poderia ser atribuída exclusivamente a ele. Ressaltou sua postura pacificadora durante a transição de governo, enfatizando que buscou evitar conflitos. Para os analistas, Bolsonaro aplicou uma tática de “confissão parcial”: reconheceu discussões sobre dispositivos constitucionais (como os artigos 136, 137 e 142), mas negou qualquer intenção de implementá-los. Essa abordagem buscou neutralizar parte das acusações, mantendo a narrativa de que tudo foi feito dentro dos limites legais.
Impactos do Depoimento
O principal efeito do depoimento foi político. Bolsonaro saiu do STF com a imagem reforçada entre seus apoiadores como líder da oposição antissistema. A desconfiança pública em relação ao Supremo, combinada com a polarização nacional, aumentou a receptividade à sua versão dos fatos. Nas redes sociais, aliados como Flávio Bolsonaro celebraram sua performance, dizendo que ele “destruiu” as acusações. A reação negativa de setores da esquerda e da imprensa foi interpretada por sua base como prova de que ele venceu no campo simbólico.
Bolsonaro soube usar o espaço do depoimento para falar diretamente ao público, sem depender da grande mídia. Sua base viu nele a figura de um perseguido político, alguém que enfrenta o sistema com coragem. A ideia de que existe uma aliança entre o STF e o PT para tirá-lo do jogo político foi sugerida nas entrelinhas e ressoou fortemente entre seus seguidores. Essa percepção foi amplificada e utilizada como combustível para manter vivo o bolsonarismo, mesmo com o ex-presidente sob investigação.
Do ponto de vista jurídico, o depoimento dificilmente reverterá uma possível condenação. A razão, no entanto, não é o peso das provas já que, até aqui, não há comprovação clara de materialidade nem de autoria direta dos supostos crimes imputados. O que pesa contra Bolsonaro é a postura dos ministros do STF, especialmente Alexandre de Moraes, cuja convicção em relação à gravidade dos fatos parece já formada. Diante disso, a estratégia de Bolsonaro mira metas mais realistas: mitigar uma eventual pena, buscando alternativas como prisão domiciliar, e manter sua influência política viva. Sua serenidade, longe de sinalizar fraqueza, foi uma escolha pragmática para evitar reforçar a imagem de radical que seus opositores tentam impor.
Jair Bolsonaro transformou um momento de fragilidade jurídica em uma oportunidade política. Com uma defesa que combinou argumentos técnicos, ironia e comunicação direta com sua base, ele reforçou sua posição como líder da oposição e símbolo da liberdade de expressão em sua narrativa. Para seus defensores, ele resistiu diante de um sistema que o acusa sem apresentar crimes concretos. Ainda que a Justiça decida de forma desfavorável, o depoimento consolidou uma vitória simbólica que mantém Bolsonaro e seu movimento politicamente relevantes no cenário nacional.