Como as Redes Sociais Afetam Sua Dignidade Econômica e Política: Insights de Jaron Lanier
Por José Gadêlha Loureiro
Parte III
O estudioso estadunidense, Jaron Lanier, ao abordar as implicações das redes sociais digitais no mundo atual, em seu livro Dez Argumentos para você deletar agora suas redes sociais, traz à tona questões pertinentes que demos início na parte um deste artigo. Continuaremos agora com os argumentos de oito a dez.
Argumento oito – AS REDES SOCIAIS NÃO QUEREM QUE VOCÊ TENHA DIGNIDADE ECONÔMICA
Desde que a lógica Bummer apareceu, a vida econômica e social de muitas pessoas adquiriu uma nova característica, tanto no mundo desenvolvido quanto no mundo em desenvolvimento. Boa parte da população vive hoje da famosa economia de bico, ou economia de demanda, para quem os trabalhadores raramente alcançam dignidade financeira, mesmo depois de anos de trabalho. Isso se reflete também, e principalmente, nos Estados Unidos, onde a segurança social é escassa, e até pessoas qualificadas, mesmo depois de anos de trabalho, sentem os efeitos dessa lógica. Assim, a lógica Bummer não apenas está tornando muitas pessoas emocionalmente inseguras, como, graças a ela, essa insegurança é, acima de tudo, financeira.
O nascimento da Bummer é uma consequência não intencional de um grande movimento quase que religioso para promover softwares gratuitos e abertos na década anterior à consolidação da internet. Por ironia, hippies da tecnologia, através de pressão política e social, levaram empreendedores a focar quase exclusivamente no modelo de negócio baseado em anúncios quando a internet se tornou realidade.
Entretanto, veja-se a contradição dos negócios Bummer! Tudo deve ser grátis, mas nós adoramos mega-heróis fundadores de tecnologias. Espera-se que tudo seja gratuito, mas espera-se também que tudo gire em torno dos empreendedores heroicos dos lucros. Depois de muito disse-me-disse, prevaleceu o modelo de negócio baseado na propaganda. Os anúncios permitiriam que as buscas, as músicas e as notícias fossem gratuitas. Entretanto, isso não significou que músicos e repórteres receberam uma fatia do bolo, até porque os tecnólogos do mundo digital os consideram substituíveis. E assim a lógica da propaganda se tornaria o negócio dominante na era da informação. No início, os anúncios da Google eram inofensivos; entretanto, com o passar do tempo e à medida que a internet, os aparelhos e os algoritmos evoluíram, a lógica da propaganda se metamorfoseou em modificação de comportamento em massa.
A coisa mais perigosa relacionada à Bummer, segundo Lanier, é a ilusão disseminada de que a lógica dessa máquina é a única possibilidade de conexão entre as pessoas. Há pessoas no Vale do Silício que acreditam que tudo no mundo pode ser reinventado e transformado por start-ups de tecnologia: a medicina, a educação, o transporte e, imagine!, até o ciclo da vida e da morte. E temos uma ilusão: sacralizamos a crença cega de que a única maneira de financiar uma conexão entre duas pessoas é por meio de uma terceira que está pagando para manipulá-las. E a ideia de que a única maneira dos negócios digitais funcionarem é você, o usuário, se tornar subserviente, para que essa terceira pessoa se torne absurdamente rica! E isso não é verdade!
Vejamos o caso da lógica da IA e da automação. Uma indústria que sustenta algumas das empresas mais ricas do mundo, usando os dados de pessoas reais que, com frequência, ouvem falar que elas (essas pessoas) estão se tornando obsoletas. Mentira. Considere a tradução de idiomas. Não existe um cérebro digital autossuficiente que gere essas traduções. Tudo isso depende de dados de pessoas reais! O que chamamos de IA jamais deveria ser entendido como uma alternativa às pessoas, mas como um mal rotulado novo canal de valor entre pessoas de verdade, destaca o autor.
Observamos que todas as pessoas estão alimentando de dados os negócios da lógica Bummer porque estão viciadas e presas em armadilhas de rede. E quando empresas de mídias sociais forem pagas diretamente por usuários, não por terceiros ocultos, elas servirão a esses usuários. A questão é simples! Alguém poderá até ser capaz de pagar para ver propaganda venenosa, mas não conseguirá direcionar esse veneno para outra pessoa. E o incentivo para envenenar o mundo será desfeito!
Argumento nove – AS REDES SOCIAIS TORNAM A POLÍTICA IMPOSSÍVEL
Antes da era Bummer, o raciocínio geral era de que um país, após se tornar democrático, iria gradativamente evoluir para um sistema mais aperfeiçoado das conquistas democráticas, porque seu povo assim o exigia. Mas, infelizmente, isso deixou de ser verdadeiro. E, apesar das autocongratulações otimistas das empresas de mídia social, um fenômeno novo se observa: enquanto a democracia se enfraquece, o chamado mundo on-line vira um antro de feiura e desonestidade.
Autores misteriosos enchem os feeds das redes sociais de alegações bizarras de maldades. E sabemos que a história está cheia de políticos estranhos e de histerias coletivas moldadas por ilusões de turbas violentas. Somente futuros historiadores poderão dizer!
A questão é que as redes sociais, dentro da lógica Bummer, estão minando a política e machucando milhões de pessoas no mundo; entretanto, a maioria delas está tão viciada que a única coisa que elas podem fazer é exaltar a Bummer, inclusive para reclamar das próprias catástrofes que a plataforma criou na vida delas.
Um caso simbólico disso é a chamada Primavera Árabe, que gerou autocongratulações no Vale do Silício. Grupos de jovens, modernos e instruídos entram em uma plataforma da lógica Bummer, primeiro. Podem ser progressistas, conservadores, etc. São idealistas e querem mudar o mundo… A questão é que carregam as ilusões da lógica Bummer. Acham que as mídias sociais fazem revolução, mudam o mundo. No começo, são bem-sucedidos, aplaudidos e obtêm resultados espetaculares; mas depois, tudo azeda. A curto prazo, tudo funciona como num passe de mágica; entretanto, com o tempo, as redes sociais acabam alimentando a lógica Bummer com trapaceiros, imbecis gritões e violentos. Depois, jovens idealistas e pessoas bem-intencionadas (e que pensam) acabam descobrindo a lógica do negócio Bummer.
A Bummer não é progressista nem conservadora; ela é, antes de tudo, a favor da paranoia e da imbecilidade generalizadas. Na era Bummer, não dá para saber o que é orgânico e o que não é orgânico. A grande questão é tudo isso parecer normal, esse universo de mentira, insultos e trapaças! E a juventude achar que o ambiente político sempre foi assim!
Argumento dez – AS REDES SOCIAIS ODEIAM SUA ALMA
A lógica da máquina Bummer está mudando sua capacidade de compreensão sobre os outros, pois você não sabe o que muitas pessoas viram em seus feeds. Você, provavelmente, está se tornando menos feliz, pois sua capacidade de compreender o mundo está sendo degradada paulatinamente, assim como a capacidade do mundo em conhecê-lo.
A lógica da máquina Bummer realiza um ritual de negócios no seu livre arbítrio, sob um bombardeio de insultos. E parte desse ritual foi transformado em dinheiro e transferido para as pessoas estranhas dentro dessa lógica. Isso transcende a economia e a política e é base das religiões antigas, as quais dogmatizavam que apenas os líderes têm um mandato determinado pelos céus.
Quando se qualifica a chamada estrutura Bummer e diz que essa lógica é preocupante, é porque a mesma se revelou menos um conjunto de tecnologia digital e mais um plano de negócios que vomita, nas palavras do autor, incentivos perversos. A Bummer quer convencer você de que, sem ela, não haveria nenhum aparelho, nada de internet, nenhum grupo de apoio para ajudá-lo em momentos difíceis. Isso não é verdade. É pura mentira! E uma mentira que você reforça quando usa a lógica Bummer. Tudo o que você precisa verificar é que esse padrão, comum na lógica Bummer, é o mesmo que está sendo aplicado à realidade política e religiosa, ressuscitando antigos conflitos para “engajar” pessoas o mais intensamente possível, para nossa tristeza.
Outra séria questão da lógica Bummer é a erosão da verdade, o que é importante do ponto de vista espiritual. Algumas religiões podem exigir de seus adeptos acreditarem em coisas sem o mínimo de coerência, apesar dos avanços filosóficos e científicos. Por isso, ainda acreditam que o Sol gira em torno da Terra. Ora, acreditar em algo só porque você aprendeu por meio de um sistema, sem questionamento, é uma maneira de entregar seu poder cognitivo a esse sistema. Alguns viciados na lógica Bummer vão aceitar e tolerar ideias ridículas para fazer parte dessa máquina. Estudos provam, ao contrário, que os algoritmos não são tão bons como imaginam os viciados em redes sociais.
Já a espiritualidade pode dialogar com o pensamento iluminista, visto que as formas de aprendizado não estão subservientes às hierarquias de poder humanas. Por sua vez, o pensamento iluminista advoga o método científico baseado no raciocínio e na demonstrabilidade científicas. A base da pesquisa da verdade deve ser a capacidade de notar a própria ignorância. E reconhecê-la é uma característica essencial que a ciência e a espiritualidade têm em comum. A lógica Bummer rejeita isso! Hoje, a epistemologia iluminista.
*José Gadêlha Loureiro, professor de História e Secretário Geral da ADEEP-DF (Associação de Diretores e Ex-diretores das Escolas Públicas da Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal).