Substância semaglutida, presente em medicamentos para emagrecimento, passa a ter reação adversa grave listada em bula
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) emitiu um alerta nesta semana sobre o risco raro de perda súbita de visão associado a medicamentos que contêm a substância semaglutida, como Ozempic, Rybelsus e Wegovy, amplamente utilizados para controle de diabetes tipo 2 e, mais recentemente, para emagrecimento.
A agência determinou que as bulas desses produtos passem a incluir como possível reação adversa a neuropatia óptica isquêmica anterior não arterítica — uma condição ocular grave, potencialmente irreversível, classificada como “muito rara”. A decisão baseia-se em avaliação do Comitê de Avaliação de Risco em Farmacovigilância da Agência Europeia de Medicamentos (EMA). No Brasil, o sistema VigiMed já contabilizou 52 notificações de distúrbios oculares suspeitos relacionados ao uso da substância.
Resposta da fabricante
Em nota oficial, a farmacêutica Novo Nordisk, responsável pelos três medicamentos, afirmou que a semaglutida foi estudada em programas clínicos robustos com mais de 52 mil voluntários, além de contar com dados de uso em larga escala que equivalem a 33 milhões de pacientes-ano. A empresa nega qualquer evidência de relação causal direta entre a semaglutida e o distúrbio visual grave. Mesmo assim, informou que foi notificada sobre a atualização da bula e que colabora com as autoridades reguladoras.
O que dizem os especialistas
Embora o alerta da Anvisa não implique suspensão do uso, ele acende um sinal de atenção, especialmente entre os que usam a medicação para emagrecimento. Para o professor Bradley Katz, do Departamento de Oftalmologia da Universidade de Utah e autor principal do estudo que gerou a recomendação, a pesquisa não foi desenhada para comprovar causa e efeito entre a semaglutida e os problemas oculares.
Já a Universidade de Buffalo, que também participou da investigação, destacou que os pacientes analisados tinham entre 50 e 60 anos e apresentavam comorbidades como diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares — fatores que, por si só, elevam o risco de alterações na visão.
O endocrinologista Carlos Eduardo Barra Couri, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP, acrescenta outro possível fator: a queda abrupta dos níveis de glicose promovida pelos medicamentos. “Há décadas sabemos que esse efeito pode aumentar o risco de reações oculares em pacientes com descontrole glicêmico severo”, afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo.
Para Couri, a realização de novos estudos específicos e bem controlados é essencial para avaliar os efeitos de longo prazo da semaglutida — e também da tirzepatida — sobre a saúde ocular. “Essa é a saída para explicar definitivamente o que está acontecendo”, concluiu.
Por ora, não há comprovação científica definitiva da relação entre o uso dos medicamentos e os danos visuais. Ainda assim, o alerta da Anvisa reforça a necessidade de acompanhamento médico rigoroso, especialmente no uso off-label das substâncias para fins estéticos.