“Combatentes do Hamas realizam massacres e fazem reféns no sul de Israel/Ações deixam ao menos 200 israelenses e 230 palestinos mortos, dizem autoridades/Israel declara guerra após sofrer bombardeio e ataque de homens armados do Hamas/Hamas diz que ataques são resposta a ações de Israel contra palestinos/’Chuva de mísseis’: brasileiro relata ataque e sequestros do Hamas em festival/Força Aérea de Israel ataca prédios ligados ao Hamas na Faixa de Gaza/Ataques do Hamas deixam ‘mar de corpos’ em Israel e dezenas de mortos em Gaza” (fonte: uol.com.br).
É inacreditável.
Após alguns milênios de civilização e um oceano de atrocidades de todos os tipos, o ser humano não consegue, ainda, equacionar diferenças e conflitos sem recorrer a violência mais repugnante. Violência com o uso intenso de armas de alto poder de destruição. Um quadro dantesco onde a perda de vidas humanas é contada às centenas e até mesmo aos milhares. O imenso sofrimento envolvido sequer pode ser mensurado.
A tentativa de eliminar de forma violenta a presença de outro ser humano na face da Terra demonstra o mais absurdo atraso moral. Quando se pensa que a imensa quantidade de sofrimento ao longo da história humana conseguiu um mínimo de sucesso no aprendizado de lições de compreensão, tolerância, fraternidade e solidariedade, somos surpreendidos por agressões que representam largos passos atrás na evolução da sociedade humana.
O conflito armado, a guerra, os ataques terroristas, os bombardeios e todas as suas variações macabras afrontam o que há de mais precioso no convívio em sociedade. A noção de dignidade da pessoa humana, que consumiu muito sangue, suor e lágrimas para ser construída, é literalmente vaporizada. A violência armada, notadamente de grande porte, suprime o diálogo, que é o caminho por excelência para a solução de divergências e interesses contrapostos.
O uso da violência despreza um dos dois atributos mais importantes presentes na criação dos espíritos. A inteligência, ao lado do livre-arbítrio, é um instrumento por excelência para se alcançarem patamares cada vez mais nobres de evolução pessoal e social. A inteligência permite aprender, corrigir erros, evitar reincidências, promover um ambiente construtivo, identificar e cultivar virtudes e afastar vícios e negatividades. A ação de músculos e artefatos bélicos, os últimos acionados pelos primeiros, representa a efetivação da estupidez humana em uma de suas formas mais abjetas.
É preciso, também, afastar a ingenuidade ou a cegueira deliberada diante das violências simbólicas e concretas que se constroem silenciosamente no cotidiano dos povos oprimidos. Essas formas de violência se manifestam de maneira sutil, dissimuladas sob a capa de uma perversa normalidade. Quantas violências estão materializadas em muros, cercas, restrições de locomoção, imposições de horários, bloqueios marítimos, limitações na movimentação de bens e tantas outras medidas similares. É exatamente assim que nascem e crescem as chamadas “crises humanitárias”. São as violências que dispensam balas ou bombas, mas produzem sofrimentos e privações dramáticas, na forma de escassez de recursos vitais, como água, alimentos, remédios e tratamento médico.
A presença do Brasil na presidência do Conselho de Segurança da ONU (Organização das Nações Unidas), neste delicado momento das relações internacionais, pode ajudar a diminuir as tensões e encaminhar as partes envolvidas em um estúpido episódio de derramamento de sangue para os caminhos de um mínimo de convívio civilizado.
Não custa lembrar que o artigo quarto da Constituição brasileira de 1988 revela os mais avançados princípios a serem observados nas relações internacionais. Entre eles estão: a) independência nacional; b) prevalência dos direitos humanos; c) autodeterminação dos povos; d) não-intervenção; e) igualdade entre os Estados; f) defesa da paz; g) solução pacífica dos conflitos; h) repúdio ao terrorismo e ao racismo e i) cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
É preciso cultivar amplamente a “cultura de paz”. Corações e mentes, nos quatro cantos do mundo, precisam desenvolver uma espécie de “vontade de paz”. Essa perspectiva foi apresentada por Konrad Hesse. Na obra “A Força Normativa da Constituição”, o ilustre jurista menciona que a supremacia da Constituição, e dos direitos fundamentais nela consagrados, não pode “… por si só, realizar nada”. Assim, a força ativa da paz, assim como a da Constituição e dos direitos fundamentais, depende da consciência geral e da enérgica atuação dos vários atores sociais.
Parece fora de dúvida que a violência é a mais cabal demonstração da falência do projeto humano. Venha de onde vier a violência. Dirigida a quem quer que seja a violência. Assim, não custa lembrar e proclamar, como na fecunda década de 60 do século passado: “faça amor, não faça guerra”.
Aldemario Araujo Castro
Advogado
Mestre em Direito
Procurador da Fazenda Nacional
Brasília, 8 de outubro de 2023