Por Carlos Arouck
Durante anos, aposentados brasileiros foram vítimas silenciosas de uma máquina de corrupção que operava dentro e fora do INSS. Um esquema que misturava crédito consignado, entidades fantasmas, lobistas influentes e servidores corruptos, desviando bilhões de reais de quem mais precisava: os beneficiários da Previdência Social.
A investigação da Polícia Federal batizada de “Operação Sem Desconto” revelou uma estrutura empresarial e política operando como máfia institucionalizada. No centro: Maurício Camisotti, empresário ligado ao setor de saúde, ao mercado financeiro e ao escândalo da vacina Covaxin.
O golpe começa com o que parece uma ajuda: uma oferta de empréstimo consignado. Mas, por trás do contrato, aposentados eram automaticamente filiados a associações falsas, como a Ambec, Cebap e Unabrasil. A promessa de alívio financeiro se transformava em desconto mensal de R$ 45, sem autorização — dinheiro que alimentava uma rede oculta de políticos, empresários e servidores públicos.
“Eles estão roubando gente pobre, frágil, que mal sabe ler. Isso é um crime contra a dignidade”, diz uma aposentada de 74 anos do interior de São Paulo, que teve R$ 1.080 descontados ao longo de dois anos.
Empresas como a HKM e o Balcão das Oportunidades agiam como operadoras do golpe. Vendiam o empréstimo e, ao mesmo tempo, cadastravam o aposentado na associação. Em troca, recebiam parte das mensalidades.

Documentos mostram que a HKM embolsava a primeira mensalidade integral e 30% das seguintes — uma engenharia que tornava cada novo “filiado” uma fonte contínua de receita.
Nem mesmo a estrutura do Estado ficou de fora. Seis servidores do INSS e até um agente da Polícia Federal foram afastados por participação ativa no esquema. O ex-presidente do INSS, Alessandro Stefanutto, caiu. O ministro da Previdência, Carlos Lupi, também.
Em um dos apartamentos investigados, a PF encontrou US$199 mil em espécie — guardados como quem sabe que o castelo está para ruir.
O empresário aparece como o operador central da fraude. Suas empresas, como a Benfix, receberam R$ 43 milhões das entidades investigadas. Laranjas, familiares e empresas de fachada compunham uma teia usada para lavar dinheiro e esconder patrimônio.
Uma de suas empresas movimentou R$ 150 milhões em quatro anos — valor incompatível com sua renda declarada.
Camisotti e seus aliados não atuavam sozinhos. Montaram em Brasília uma mansão-lobby, com o objetivo de criar uma federação nacional de aposentados e influenciar decisões do Executivo, Judiciário e Congresso. Contrataram até o escritório do filho do ministro Ricardo Lewandowski, tentando manter convênios com o INSS mesmo após alertas da CGU e TCU.
As primeiras denúncias surgiram ainda em 2023. Mas apenas após a operação da PF em abril de 2025 o governo reagiu com firmeza. Até lá, os descontos indevidos cresceram 400% — e as entidades, como a Ambec, passaram de 3 associados a mais de 650 mil em três anos.
“O Estado falhou — por omissão, por negligência ou por conivência”, afirma um auditor do TCU sob anonimato.
A fraude do INSS não foi obra do acaso. Teve método, comando e objetivo: enriquecer poucos às custas de muitos. É preciso ir além dos alvos óbvios, responsabilizar os bancos que permitiram a atuação de seus correspondentes e revisar todos os acordos firmados com essas entidades.
Recomendações aos Aposentados
•Acesse o Meu INSS e consulte o extrato de pagamento.
•Use a ferramenta “Excluir mensalidade associativa” ou ligue para o 135.
•Denuncie práticas suspeitas à ouvidoria do INSS e ao Ministério Público.
A Farra do INSS revela não apenas um crime de colarinho branco, mas um colapso institucional. É um teste à capacidade do Brasil de proteger seus mais vulneráveis.